Vem aí grande livro. Sócrates não é santo. Ricardo Teixeira não é demônio
Leonardo Mendes Jr e Jones Rossi, dois ótimos jornalistas, resolveram cutucar a onça com vara curta. Escreveram "Guia politicamente incorreto do futebol brasileiro", que dá um enfoque diferente a algumas verdade absolutas do futebol. O livro será vendido a partir de 15 de abril.
Quais são as verdades estabelecidas que vocês contestam?
Qual é o estilo do livro?
Sócrates, então era um ditador?
Ricardo Teixeira salvou o futebol brasileiro?
Então, Sócrates era um ditador e Ricardo Teixeira um salvador?
Vocês questionam certas verdades absolutas ou tentam criar outras verdades?
ABAIXO, UM PEQUENO EXTRATO DO CAPÍTULO SOBRE A DEMOCRACIA CORINTIANA
Mas o que era a Democracia Corintiana, afinal? Por que ela mobilizou jogadores, jornalistas e até publicitários, que a defendiam de modo tão ferrenho? A princípio, a Democracia Corintiana era o direito de os jogadores votarem qualquer questão que fosse de seu interesse direto. Segundo Sócrates: "Qualquer um podia
apresentar um assunto para votação. Quando viajar? A que horas viajar? Onde concentrar? Tudo era discutido. Nós nos reuníamos no vestiário ou no campo e decidíamos.
A partir de então, nós começamos a exercer isso semanalmente. Falávamos sempre sobre uma série de coisas, inclusive horário de treino. Discutir e votar eram quase um vício".
O movimento pregava, entre outras coisas, a abolição da concentração para os jogadores casados, o direito de fumar e de tomar bebidas alcoólicas em público, a liberdade de expressar opiniões políticas e a prática de tomar em conjunto as decisões referentes ao time, envolvendo atletas, funcionários e dirigentes por meio de votos com pesos iguais.
Mas não era só isso que se submetia à votação. Com a palavra, Sócrates: Tudo o que dizia respeito ao grupo ia a voto. Se fosse colocado na mesa "tal companheiro deve ou não sair do grupo?", a gente votava. Tudo era votado sem nenhuma máscara. Se fosse determinada a saída de alguém, a pessoa sairia. A diretoria cuidaria
dos detalhes burocráticos da transferência. Isso também acontecia com as contratações. Para contratar um jogador novo, a diretoria geralmente apresentava uma lista com três nomes e nós escolhíamos.
Opa! Decidir onde se concentrar é uma coisa. Decidir a saída de um companheiro de time é algo totalmente diferente. Trata-se de uma atitude que suscita uma série de questionamentos éticos. (….) A democracia estava implicitamente sujeita ao primeiro mandamento da revolução dos bichos, do romance de Orwell: todos os animais são iguais. Mas alguns animais são mais iguais do que outros.
A Democracia perseguia quem discordava dela Com a eliminação precoce no Paulista de 1981, o Corinthians foi disputar o Troféu Feira de Hidalgo, na cidade de Pachuca, no México. O time ficou com o título e disputou mais partidas na Guatemala e em Curaçao. O lado negro da Democracia Corintiana começava a entrar
em ação. O elenco decidiu que alguns jogadores deveriam deixar a equipe. Wladimir, o lateral-esquerdo daquele time, recorda:
Nessa excursão, nós percebemos duas pessoas extremamente individualistas, que eram o Rafael [Cammarota, campeão brasileiro pelo Coritiba em 1985] e o Paulo César Caju. O Rafael às vezes achava que tinha que ganhar a posição no grito, porque era um goleiro bonito, alto, experiente. O reserva dele era o César, que
era baixinho, feio, preto. O Paulo César Caju também pensava só nele, se achava o bambambã, campeão do mundo, essa coisa toda.
Rafael e Paulo César Caju foram afastados do elenco meses depois.
Ali, a Democracia Corintiana começou a demonstrar sua face pouco democrática.
Para Rafael, sua ruína foi ter apoiado publicamente o ex-presidente Vicente Matheus. Por isso o grupo não levou em conta as más condições físicas do titular César nas semifinais do Brasileiro de 1982 contra o Grêmio, sob o argumento (que seria repetido um ano depois, contra Leão) de que Rafael
poderia entregar o jogo para prejudicar o movimento.
Rafael relembra: "A Democracia era boa para três, para o resto não era, porque quem resolvia eram os três: o Magrão, o Adílson e o Wladimir. O Casa era o escudeiro, porque estava começando. Tudo era resolvido entre eles, eles não traziam nada para nós. Quando vinha para a gente já vinha resolvido, já vinha feito. Que porra de democracia era essa?".
Adílson teria lhe dito: "Sua indisciplina não foi técnica, nem física. A sua indisciplina foi ter falado que preferia o tempo do Matheus".
Rafael estava afastado do elenco, sem contrato e sem poder jogar. Sócrates apresentou uma proposta humilhante para reintegrá-lo ao grupo: "O Magrão veio conversar comigo, que eles iam fazer uma reunião, para eu pedir desculpas para o Adílson. Eu não vou pedir desculpas de uma coisa que eu não estou errado, pô!".10 Rafael acabou emprestado para o Atlético Paranaense.
Na ânsia por montar um supertime, Adílson Monteiro Alves, um dos cabeças da Democracia Corintiana, contrariou seus próprios princípios na hora de contratar Leão. Evidenciando o fato de que, na verdade, a Democracia sempre foi um movimento no qual poucos realmente comandavam, consultou apenas Sócrates, Wladimir, Zé Maria, o técnico Mário Travaglini e o preparador físico Hélio Maffia antes de trazer o já consagrado goleiro. Até Casagrande ficou de fora. Revoltado, o atacante passou semanas sem dirigir a palavra ao goleiro.
A revista Placar, que apoiava o movimento desde o início, teve de se contradizer e chamar de antidemocrática a crítica dos jogadores à maneira como a direção do clube contratou Leão. Por bater de frente com os líderes do movimento, Leão não teve vida fácil. Em depoimento a Ricardo Gozzi, autor do livro Democracia Corintiana: A Utopia em Jogo, pessoas próximas ao elenco contaram, sob a condição de anonimato, que Leão foi pressionado e ameaçado pela diretoria
do Corinthians caso o time não se classificasse para as finais do Campeonato Paulista de 1983.
"No hotel, houve uma reunião entre os jogadores, comissão técnica e diretoria antes de o time sair para o Morumbi", disse uma fonte. Na reunião, foram tratados problemas de relacionamento no elenco. De acordo com a fonte, em um determinado momento, Sócrates pediu a palavra e acusou Leão de ser o responsável direto pela desunião no grupo devido ao seu estilo individualista. A maior parte do grupo concordou. Leão também expôs seus argumentos.
"Em seguida, o Adílson virou para o Leão e disse o seguinte: 'Se você tomar um gol e o Corinthians perder a vaga na final, todos nós vamos até a imprensa depois do jogo dizer que você entregou o ouro'", relatou a fonte..
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