Topo

Menon

A comédia de 2014 serviu para absolver Barbosa, vítima da tragédia de 1950

Menon

07/04/2015 06h21

Moacyr Barbosa morreu há 15 anos, na Praia Grande, em São Paulo. Morreu tranquilo, em paz, esquecido. E morrer esquecido, no seu caso, foi uma conquista. Afinal, 49 anos, 8 meses e 23 dias antes ele havia se tornado um pária. Ele foi condenado, sem julgamento, pela perda da Copa do Mundo de 1950. A Copa que havíamos decidido que seria nossa muito antes de a bola rolar. Muito antes de o primeiro tijolo haver sido assentado naquele que seria o Maracanã.

A Copa do Mundo seria nossa, mas faltou combinar com Ghiggia, um ponta-direita espetacular, que fez um gol por jogo. Faltou combinar com Schiaffino, um meia de fino trato. Faltou combinar com Obdulio Varela, o eterno capitão. Faltou combinar com Maspoli, Gambetta, Julio Peres e outros.

Como eles não sabiam que a Providência Divina havia decidido que o título seria do scratch canarinho, ganharam o jogo e, dentro da nossa arrogância, corremos a buscar um culpado. E já arrumamos logo dois. Bigode, que não marcou Ghiggia e que levou um tapa de Obdulio. Um adendo: "não marcou" é um modo carinhoso de falar. Bigode levou um baile de Ghiggia. E o tapa? Ninguém viu, mas entrou na história.

O outro culpado foi o de sempre: o goleiro. Barbosa ficou no gol e permitiu que Schiaffino completasse o cruzamento de Ghiggia no primeiro gol. Barbosa saiu para impedir o cruzamento e permitiu o chute de Ghiggia perto de sua trave esquerda.

Dois culpados. Dois negros. Bigode morreu antes. Barbosa conviveu com a culpa por grande parte dos 18164 dias que separaram seus erros de sua morte. Morte física, pois Barbosa, que ainda jogou até 1962, já havia morrido futebolisticamente. Afastou a tristeza fazendo uma fogueira com as traves do gol que defendeu. E foi viver em outra cidade.

Em 2014, 64 anos depois da derrota que vitimou Barbosa e entristeceu o país, o Brasil foi novamente sede de uma Copa. E perdeu novamente. Com 7 a 1 para a Alemanha. Com 3 a 0 para a Holanda.

Não foi uma tragédia. Foi uma comédia. Não houve gente chorando em excesso, não houve um pária, não houve uma pena de morte em vida. Torcedores ironizaram em redes sociais, jogaram para fora seu desprezo por aqueles jogadores, mas muitos deles já estão de volta à seleção. Comparemos a atuação de Barbosa com a de David Luiz.

E por que tivemos reações tão diferentes diante de duas derrotas em casa? Por que choramos e amaldiçoamos jogadores em 1950 e apenas rimos (tristes, mas risonhos) e perdoamos em 1964?

Duas gerações foram o suficiente para nos tornamos um povo mais tolerante? Ou o time de Barbosa merecia uma lágrima. Ou a indiferença é porque David Luiz é branco e Barbosa era negro?

De qualquer forma, tanto tempo depois, não se sabe se Barbosa havia sido perdoado. Esquecido, sem dúvida. Mas, não há dúvida alguma que houve mais dignidade em suas falhas e na nossa primeira grande tragédia.

PS – Barbosa é o primeiro capítulo do meu livro Os 11 maiores goleiros do futebol brasileiro, que reúne ainda Castilho, Gilmar, Leão, Raul, Taffarel, Zetti, Dida, Marcos, Rogerio Ceni e Julio Cesar (o dos 7 a 1)

Reproduzo aqui o primeiro parágrafo do livro, baseado em conversas com João Máximo e Luis Mendes.

"Surpresa, só houve nas primeiras vezes em que a ousadia do goleiro se concretizou. Depois, tudo se tornou corriqueiro, ainda que belo. Bola na área, e ele voava para encontra-la, dominá-la e protege-la. Nem parecia que tinha apenas 1,76m. E, naqueles lances, não tinha mesmo. Ficava muito maior, com o braço esticado – o braço, apenas um – e envolvia a bola com uma das mãos – só uma – e depois, como se fosse uma ave protegendo a cria sob a asa, trazia a bola até o peito. Só então, como ato final da defesa que levava amigos ao delírio e inimigos ao desespero, pousava a outra mão sobre a bola".

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.