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Carsughi foi demitido. Vampeta não corre riscos

Menon

13/04/2015 19h13

Em outubro, falei pela primeira e única vez com Cláudio Carsughi. Era uma entrevista. Fiquei com a impressão de estar falando com um sábio. Um grande jornalista. A Jovem Pan, com certeza pensa diferente. Carsughi foi demitido. Vampeta não corre riscos. Abaixo, a entrevista

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Carsughi diz que Globo só quer piloto vencedor e 'jeito Senna' o incomodava

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Luís Augusto Simon
Do UOL, em São Paulo

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  • Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress

Carsughi1. Carsughi2. Carsughi3. A cada dez minutos, o garoto Cláudio orgulhosamente enviava um telegrama, diretamente do Pacaembu, para a redação do Corriere della Sera em Roma.

Por meio de uma moderna máquina instalada pela Italcable ele unia descrição de jogadas com opiniões pessoais, informando aos italianos como estavam os jogos do 4º Campeonato Mundial de Futebol, realizado no Brasil. Os números após a assinatura impediam confusões na hora da montagem da matéria, lá na Itália.
O pedido do pai a um amigo do Corriere della Sera dois anos antes havia frutificado. A ideia inicial era que o garoto Cláudio não perdesse a fluência no italiano, dois anos depois de haverem trocado a Itália pelo Brasil.
Seis décadas e quatro anos depois, a tecnologia de informação continua ao lado de Carsughi, que tem bom contato com as redes sociais, por meio de páginas no Facebook, gerenciadas com auxílio da filha Cláudia.
"Todo dia pela manhã tenho contato com a internet. Recebo em torno de cem e-mails, leio os que interessam e mando o resto para o lixo. Depois, leio o Corriere, o L'Équipe, a Gazzetta dello Sport e o Marca. Só depois disso, pego o Estadão e leio atentamente a seção de Economia, que é o que mais me interessa. Depois, vou para a Jovem Pan trabalhar", conta Cláudio Carsughi, em seu amplo apartamento, decorado com o brasão da família, acompanhado pelo som estridente de duas calopsitas (ave doméstica) do filho Eduardo. Está ao lado da filha Cláudia, da neta Mirela e de Frederico, o cachorro da raça Golden Retriever da família.
A conversão à tecnologia não é total. Diz a lenda que Cláudio Carsughi não tem telefone celular. Ele desmente. "Tenho sim, mas sob outro entendimento. Para mim, o celular é para usar em situação extrema. Se houver algum problema com o meu carro e eu tiver de chamar um mecânico, por exemplo. O que eu acho errado é pagar para que os outros me liguem, que é o princípio do celular. E alguém vai me ligar para dizer que ganhei na loteria? Não, vão ligar para me dar mais trabalho. Pura amolação". O número? Carsughi não sabe de cabeça. "Quem sabe é minha filha, meu filho e minha namorada"
Conversar com Carsughi por uma hora e 12 minutos permite traçar um perfil das mudanças no esporte, no jornalismo e no próprio Brasil dos últimos 68 anos. Leia abaixo, trechos da entrevista.

Brasil

"Sem querer ser saudosista, o Brasil de antes era melhor. Não havia pessoas dormindo nas ruas. Minha mãe e minhas tias se enchiam de joias, tomavam o bonde e iam tomar chá no Mappin, sem medo de roubo. É um país com enorme potencial, será uma potência mundial, mas vai demorar ainda uns três séculos. Podia ser menos, se a Igreja Católica e os governos militares não tivessem sido tão covardes de não implantarem um programa de elucidação para incentivar o controle de natalidade. O Brasil tinha 50 milhões de habitantes quando cheguei e agora tem 200 milhões. É muito difícil ter uma economia forte para tanta gente."

Copa Rio

"Depois do Mundial perdido em 1950, Thomaz Mazzoni, da Gazeta Esportiva, teve a ideia de fazer um torneio de clubes para diminuir um pouco a tristeza da derrota brasileira. Cobri essa competição. Muitos anos depois, o Palmeiras fez um dossiê para reivindicar o título de campeão mundial. Usou matérias minhas para embasar. O campeonato foi muito importante, o Palmeiras merece ser chamado de campeão mundial. Muito mais que o Corinthians, que venceu um torneio de verão em 2000. Em que os estrangeiros vieram se divertir e mais nada. Não sou torcedor do Palmeiras. Torço para a Fiorentina. O Palmeiras é apenas mais um time brasileiro."

Craques

"Os três maiores jogadores que vi foram Pelé, em primeiro lugar, incomparável, e os dois argentinos: Alfredo di Stefano e Diego Maradona. Esses três foram incomparáveis, realmente foram os melhores do mundo."

Automobilismo

"Sempre adorei carros, principalmente pela parte mecânica. Meu sonho nunca foi ser um piloto de Fórmula 1 e, sim, um construtor. Os grandes construtores foram Barnard e Newey. Tazio Nuvolari foi o primeiro grande piloto que vi."

Emerson, Piquet e Senna

"São três gênios e acho difícil fazer uma comparação entre eles porque sou ligado à família Fittipaldi. O Wilsão, pai de Emerson, foi meu primeiro amigo no Brasil. Mas da para falar de algumas características de cada um."

Fórmula 1

"Era muito diferente, com segurança muito menor. Uma vez Emerson, nos anos 1970, dirigiu o carro de Fangio campeão nos anos 1950. Era um evento criado pela Mercedes. Depois, ele me disse: 'não sei como o Fangio fazia para guiar isso, você freia e o carro não freia, quer fazer tomada de curva e não dá certo.' Hoje, sou crítico da Fórmula 1. Ela deve privilegiar a inovação e a tecnologia. O que você vai usar daqui a dez anos em seu carro deve ser testado agora. Se a Jaguar não tivesse testado o freio a disco… Imagina se a Nasa tivesse restrições. Não pode usar titânio, por exemplo… Sempre fui fã de tecnologia. Sonhava ser um construtor. Fiz um carro melhor que o seu, venci a corrida sou melhor que você. Simples."

Emerson Fittipaldi

"Foi o mais completo dos brasileiros. Além de grande piloto, tinha muita sensibilidade técnica, capaz de acertar um carro. Sua carreira foi prejudicada pelo projeto Copersucar. Houve um momento em que os patrocinadores não quiseram mais o Wilsinho e exigiram o Emerson. Ele teve de ceder. Não fosse isso, ele seria campeão mundial pelo menos uma vez mais. Não perderia o título de 1976, que ficou com o Hunt. A ida para a Coopersucar foi negócio, simplesmente. Nada a ver com patriotismo. Não tinha um sonho de ter uma equipe brasileira, não. O negócio dele era ter o carro, correr e ganhar. Eles fizeram a coisa errada. Deveriam ter comprado uma equipe lá na Inglaterra, fora do Brasil, depois pintar os carros de verde e amarelo e começar a correr. Lá, se você quer experimentar um braço de suspensão de fenda, você encomenda e, no dia seguinte, tem a peça. Daqui, a dez mil quilômetros de distância, é difícil. E o projeto foi empurrado pela ditadura, com a história de Brasil grande, de equipe brasileira vencedora."

Ayrton Senna

"Senna tinha habilidade inata, individual e favorecida por ser canhoto, o que facilitava mudar a marcha e ter maior domínio do volante. Piloto excepcional, sem discussão. Meu relacionamento foi cordial, mas vi sempre a imagem do computador construído pela mãe. Em 1986, estava em Monaco com Nilson Cesar, que estava começando a narrar F-1 na Pan. Na quinta-feira, o Senna foi muito bem no treino. O paddock era lá embaixo e fui descendo com o Nilson. O Senna foi subindo, provavelmente ele teria um meeting técnico entre um treino e outro. Percebi que ele me viu, viu um cara comigo e….tung…raciocinou rapidamente: 'Bem, se o Carsughi está aqui, a Pan vai transmitir, se a Pan vai transmitir, eu vou parar.' Parou, conversou, apresentei o Nilson, perdeu uns cinco minutos. Claramente, se não fosse o representante de uma rádio importante e sim o repórter da Gazeta de Pindamonhangaba, ele não iria parar. Uma vez, no Roda Viva, fui entrevistá-lo. Levei meu filho Eduardo, que era estudante. Estávamos conversando e Senna perguntou quem era. Apresentei e ele lhe deu um botton. Deu porque era meu filho, caso contrario, não daria, nem perguntaria. Não chamo isso de mercantilismo, mas esse 'se me serve, perco tempo, se não serve, não perco tempo', me incomodava."

Nelson Piquet

"Tinha algumas intuições e escondia de todos, o máximo possível, para ninguém copiar. Aquela ultrapassagem sobre o Senna na Hungria é uma das mais lindas da Fórmula 1. Como passar o Senna por fora? Como segurou o carro, o normal era o carro sair de lado. Piquet era muito seletivo. Não agradava ninguém. Dividia entre quem sabe e quem não sabe. Se você entendia e não era sacana, ele ficava horas conversando. Para os outros, não dava atenção. Acho melhor assim, mais transparente."

Furo da morte de Senna

"Foi um pouco de sorte. Sempre trabalhei para jornais italianos. Depois da corrida de Ìmola, quando Senna bateu, fiz meu trabalho na rádio, voltei para casa e telefonei para uma redação na Itália para saber novidades. Na hora, estavam ligando para o hospital. O colega, para me ajudar, deixou o som aberto e foi entrevistar a médica. E houve uma frase assim dela. 'não posso falar nada, mas o eletroencefalograma dele é plano.' Morreu. Ponto final. Liguei para a rádio e mandei dizer que Senna havia morrido. Eu assumia a responsabilidade. Estavam fazendo um drama, falando em Nossa Senhora, falando que Deus é brasileiro, não dá para discutir, morreu, morreu. Não me emocionei, mas fiquei com pena, com dó, afinal é uma morte."

Felipe Massa

"Queria ter visto o Massa campeão pela Ferrari. Não deu certo por culpa da escuderia, e não dele. A Ferrari foi a culpada. Como um motor pode quebrar a três voltas do final, como foi na Hungria? Como um pitstop pode deixar a mangueira solta, como foi em Cingapura? Massa é um bom piloto, não é um suprassumo, mas é bom piloto."

Globo e os novos pilotos

"A Globo prejudica os pilotos novos. Ela fez uma aposta, não sei se certa ou não, comercialmente falando, no piloto brasileiro vencedor e não na Fórmula 1. E, no curto prazo, não havia razão nenhuma para termos um piloto excepcional novamente. Por que aconteceria? Fora de série, nasce de vez em quando. O tênis feminino nunca existiu no Brasil e surgiu um fenômeno como Maria Esther Bueno. Escola de piloto não existe. Se existir, ela dá bons pilotos, nota 7. Não dá gênios em série. Se fosse assim, a Alemanha não teria esperado tanto para ter um Schumacher. A Itália espera desde os anos 1950 o sucessor de Ascari. Quanto tempo a Inglaterra esperou para ter o Hamilton?
Apostaram em brasileiro que ganha, musiquinha, etc. E o que fazer quando não tinha mais brasileiro que ganha? Aí, jogaram o Barrichello, que não estava maduro, no lugar do Senna. Ele não teve tempo de amadurecer, não teve tranquilidade e estreparam a carreira dele. Teve de conviver com a comparação. Todos que vierem agora terão de conviver com isso. O problema do Brasil é que não se admite o bom. Ou é o melhor do mundo ou é o pior do mundo. Por que não pode ser bom? Quantas vezes anunciaram o novo Pelé? Nunca vai ter um novo Pelé."

Futebol

"Pra mim, é só trabalho. Às vezes é muito chato, como essa Série B, com jogos infindáveis. Por conhecer e viver uma série de coisas por trás do cenário, com tantas maracutaias e coisas compradas, você se desanima. Não sou palmeirense, como pensam. Palmeiras é um time brasileiro como todos os outros. Hoje, a tática é importante demais, antes o time melhor vencia mais constantemente. Hoje é mais difícil. Não se pode parar a bola, olhar, lançar. Se parar, já tem a marcação em cima."

Copa de 2014

O Brasil cumpriu um papel interessante, superou uma série de problemas que estavam jogados no ar, segurança, transporte, acomodações… De ruim, ficou a conta para ser paga e alguns elefantes brancos, mas achei o saldo positivo. Alguns ganharam um dinheirinho em 1950, muitos ganharam um dinheirão em 2014."

7 a 1

"O pior resultado de todos os tempos. Estranhei Parreira, que sempre me vendeu imagem de ponderado, balançar tanto. 'Vamos ganhar, a Copa é nossa.' Se você tem um supertime, vá lá. E não era isso. Era dois ou três. Jogar a responsabilidade em um grupo sem ninguém com muita experiência, foi burrice. Não tinha um Gérson, não tinha um líder. Quando Alemanha fez 1 a 0, a cara do Scolari era de 'já foi'. E o que pensaram os que estavam em campo?  Parecia brincadeira. E a Alemanha ficou com fama de maior time da história. Não é. Poderia ter perdido a final se o Messi tivesse jogado bem. A maior seleção foi de 1970. A de 1950 foi muito boa e injustiçada. Foi traída pelo técnico e dirigentes que deixaram uma farra na sede do Vasco um dia antes. Flavio Costa não tinha noção do que fazia. Jogava pelo empate, faz um a zero e foi golear de novo. Precisava recuar e contragolpe. Quando teve o empate, ficaram desesperados."

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.