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Pelé e o racismo. Neymar é vítima ou conivente?

Menon

03/01/2016 11h14

Recebi muitos comentários sobre o texto anterior, em que falo da falta de reação de racismopele2Neymar e de outros jogadores famosos e milionários quando são vítimas de racismo. Muita gente disse que Pelé foi igual. E que eu estaria criticando a vítima (Neymar) e não o agressor (torcida do Espanyol). São críticas pertinentes que vou responder.

1) Pelé (imortalizado aqui na foto do genial Domício Pinheiro)não lutou contra o racismo? Foi um homem de seu tempo

Não. Nunca falou nada. E até hoje, diz que esse assunto não deve ser levado em conta. Que a melhor resposta é fazer como ele fazia. Ficar quieto e reagir na bola, fazendo mais um gol. Mais dois gols. Mais centenas de gols.

É uma postura fácil. Se Pelé tivesse falado algo naquele tempo, talvez o racismo não fosse tão forte como ainda é hoje. Mas, não devemos esquecer que Pelé viveu seu auge futebolístico – ou melhor, sua carreira futebolística, porque Pelé viveu um auge eterno – em outra época.

Uma época da falsa harmonia racial. Um tempo em que se permitia dizer "negro de alma branca", em que o verbo denegrir era usado mais do que hoje, em que se dizia que a segunda-feira era "dia de branco", em que apelidos eram constantes.

Você conhece José Bispo Clementino dos Santos? É Jamelão, o grande cantor, a voz racismojamelão2eterna da Mangueira. Ele, que não aceitava ser chamado de "puxador", por ser sambista, incorporou o apelido de jamelão.

E o que é jamelão, ou jamboão? Uma fruta saborosa e que ajuda na luta contra o diabetes. Uma fruta negra.  Temos, então, um grande artista, um grande músico, um ser humano resumido à uma fruta, por causa da cor da pele.

racismoblackoutVocê conhece Otávio Henrique de Oliveira?

Sim, o grande Blacklout, sambista espetacular, o General da Banda. O que significa o seu apelido? Busca na língua inglesa o sinônimo ridículo. Tão preto como uma cidade com queda de energia? Eram os tempos de Pelé.

racismonoiteilustradaE Mario Souza Marques Filho, o cantor de O Neguinho e a Senhorita e Volta por Cima? Seu nome se perdeu, ficou o apelido de Noite Ilustrada. É negro, mas tem dentes brancos que brilham. Não parece a descrição de um escravo posto à venda? O apelido veio por meio do humorista Zé Trindade, o que mostra também o tipo de humor preconceituoso que se produzia.

racismoboladenieveE não é só no Brasil.

Ignácio Jacinto Villa Fernández, o grande e gordo pianista cubano, artista reconhecido mundialmente, era apenas Bola de Neve.

Esta era a sociedade. E Pelé era fruto dela. Poderia ter sido um homem à frente de seu tempo (falando-se em cidadania), mas não foi.

E Pelé, apesar de não lutar contra o racismo, fez muito pela autoestima dos negros. E dos brasileiros em geral. Foi ele o comandante da geração que acabou com a praga do viralatismo. Foi ele, com seu futebol, que tirou um pouco da carga contra Barbosa e Bigode, os negros que a sociedade escalou para levar a culpa pela derrota de 1950.

2) Neymar não luta contra o racismo? É um homem aquém de seu tempo

Hoje, o mundo é diferente. Ainda existe racismo, mas ele é tipificado como crime. Ao contrário dos anos de Pelé, é crime chamar alguém de macaco, verbalmente ou gestualmente. E há atletas prontos a lutar. Etoo já ameaçou sair de campo em uma partida. Aranha enfrentou o Olímpico. Em todo o mundo, pessoas lutam e enfrentam a praga.

racismotomie smithNem espero que Neymar e outros tenham a atitude que Tommie Smith e John Carlos, medalhistas olímpicos em 1968, tiveram, com seu braço estendido, um soco no racismo. Ou como Cassius Clay – que ainda não era Muhammad Ali – jogando sua medalha no rio, após perceber que seu povo não era respeitado.

Não se trata aqui de exigir atitude de ninguém. Não sou juiz de mundo.

Apenas, vou repetir sempre que, se lamento a atitude do agressor racista, lamento também a covardia do agredido milionário e midiático que poderia fazer algo e não faz. Enquanto não fizer, ficará mais fácil aos bandidos cometerem crime.

 

 

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.