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Menon

Vão matar o futebol brasileiro

Menon

01/06/2016 06h05

Tem tanta coisa ruim acontecendo com o futebol que, se eu fosse um desses americanos aposentados, pensaria logo em uma incrível teoria da conspiração. Daquelas bem cabeludas, como no filme do Mel Gibson com a Julia Roberts. Aquelas histórias que misturam mulheres de presidentes mancomunadas com sargentos marcianos e compositores búlgaros, todos unidos em descobrir a fórmula do jabá sintético.

Começa com a violência das gangues. Gente marcando encontro com gente para uma agradável sessão de porradaria. Nada de blind date, nada de espera por um beijo, nada disso. Apenas pancadaria, talvez seguida por morte.

Depois, a energúmena decisão da Secretaria de Segurança Pública para acabar com a violência. Jogos com torcida única, mesmo sabendo que a maioria das brigas é chuteirapretarealizada longe dos estádios, às vezes até longe da cidade. A adrenalina não está no drible, está na facada.

Bem, diz o torcedor são-paulino, vamos aproveitar que o jogo tem uma torcida só e dar uma passada no Morumbi para ver o time do Bauza. Isso é, se meu cunhado não confirmar o churrasco. Amanhã, eu ligo e decido isso. Dez da manhã, sem churrasco e sem cunhado, o cara toma um bom café da manhã, com aquele suco de laranja do mosão, pega o filho, passa no banco, saca um dinheiro e toca para o estádio. Chega lá e descobre que as bilheterias foram fechadas ao meio dia.

Sim. Torcida única e com ingressos vendidos apenas até o meio dia.

E o Morumbi recebe apenas 21 mil pessoas. Se vendesse ingressos na bilheteria, poderia ser pelo menos 30 mil. E, se fosse com duas torcidas, poderia ter 30 mil são-paulinos, 20 mil palmeirenses e dez mil lugares vazios, separando as tribos.

Não, para que isso? Vamos de torcida única mesmo. E o nosso herói que pegue o carro e corra para casa para ver o clássico. No sofá, que é o lugar que estão reservando a ele. Que o estão obrigando a usar.

E o palmeirense que, rebelde, não aceita o sofá?

Faz um grande sacrifício. Pega uma camisa do São Paulo, veste e vai comparar o ingresso. Canta os cantos que odeia ouvir. Bem, acho que estou exagerando um pouco. Ninguém faria isso. Vai lá no estádio e, sem conversar com ninguém, compra seu ingresso. Louco para gritar um palavrão, mas quieto…

Entra no estádio e se senta junto aos rivais. Alguém puxa conversa e ele tem de concordar com o que considera insanidades mentais: Ganso virou artilheiro, Maicon é seleção, Kelvin foi injustiçado no Palmeiras. O cara concorda com a cabeça e não entra em discussão. Sorri afirmativamente quando o rival confessa o medo que tem de Denis. "Esse não vai me decepcionar", pensa.

O jogo começa com o Palmeiras dominando e ele até segura o pulso direito para não comemorar o que ainda não se concretizou. Aquele uuuuuuuuuuuuuuu fica preso na garganta.

Depois, tudo degringola. Ele tem de levantar – comemorar jamais – no gol de Ganso. Não reclama do abraço tricolor. Nem pode. Sofre por muito tempo. Sofre calado. Chora para dentro.

Então, o jogo acaba. Ele dá uma última olhada para o campo e vê, como bem notou meu grande amigo Luiz André Rosa, o Luan conversando alegremente com o Wesley. Como dois bancários na pelada. Como dois professores universitários discutindo se D. João VI era um estadista ou apenas alguém que foi obrigado a abrir os portos brasileiros. Ou como duas adolescentes discutindo se Justin Bieber chega ou não aos pés de Brad Pitt.

Eu e o Luis André não queremos briga em campo, não queremos jogadores se atracando, apenas que entendessem que, se o futebol é apenas um negócio para eles, para nós ainda é uma paixão. E, que se não for paixão para nós, não existirá como business. Não é paixão para nós e não é ganha-pão para eles;

Ou, como escreveu o Luis André Rosa:

Sei que são seres humanos comuns, que o futebol não é uma guerra, que as amizades contam muito, mas não entendo por que nem acabou direito o clássico, seu time tomou um vareio de bola, onde não ganha há 14 anos, e você consegue encontrar forças para dar risadas. Por serem cada vez mais "profissionais", eu noto que os jogadores já não sentem mais a tal pressão de jogar um clássico. É claro que devam existir exceções, mas para eles ganhar ou perder faz parte da rotina e vamos para o dia seguinte. Sentem que ganhando ou perdendo, o dinheiro vai cair na conta mesmo.

Só que vem a parte polêmica, vou pisar em ovos e reforço, não estou querendo fazer apologia à violência. O torcedor, que é movido a paixão e não trata o futebol como uma mera formalidade de domingo à tarde, está cada vez mais irritado e descontente com o que posso dizer falta de comprometimento. Vide o famoso 7 a 1 e tudo seguiu como se nada tivesse ocorrido. Ninguém quer que vença todos os jogos, claro, mas quer ver luta, que sinta na pele a dor de perder e que eles não fiquem dando risadas menos de um minuto após ser derrotado.

Sempre digo que não sou saudosista. E nem masoquista. Mas tenho saudade de pegar uma fila enorme, tomar um ônibus lotado, pegar fila para o ingresso, pegar fila para pagar vintão em um pernil que assustaria os gourmets, pegar fila para entrar no estádio, pegar um lugar ruim, ver pouco do jogo e ser auxiliado pelo meu narrador e meu repórter preferido. Sou do tempo em que a rádio Bandeirantes, minha preferida tinha repórter. (essas reflexões foram tomadas a partir de um texto de Eduardo Castro, grande repórter).

Ah, e se não fosse pedir demais, com jogador usando chuteira preta.

 

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.