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Menon

Por uma linguagem esportiva sem colonização

Menon

22/07/2016 16h55

goool-86220392A turma do Charles Miller apanhava da bola em mais um jogo de football, com portões fechados. Calções largos e longos quase escondiam as pernas brancas. Houve, então, uma tentativa de passe longo. A bola subiu muito, ultrapassou o muro e….

Veio com velocidade enorme. Como um meteoro. Então, um brasileirinho esticou o peito, recebeu o presente dos céus, fez um malabarismo ou outro e passou para um colega.

A bola deixava de ser exclusividade de pernas brancas. E nascia o futebol brasileiro.

É uma narrativa romanceada, sem dúvida. Não vou negar. Mas a essência é verdade. O futebol brasileiro nasceu efetivamente quando deixou de ser uma recreação da elite para ser objeto da paixão popular.

taticaO manual do bom futebol passou a ser esquecido. A nova história passou a ser escrita com drible, criatividade e picardia.

E com uma nova linguagem. Pausa para eu me lembrar do Poeta. Percival Bacci, meu tio, sempre a reclamar do seu Parmera. Assim ele falava. "Não temos um centefor. Sem centefor, a gente não ganha".

Chiste do velho. O Palmeiras sempre teve grandes atacantes. Grandes centroavantes, filhos diretos do center-foward, abrasileirado como centefor pelo inesquecível Poeta.

Não foi só isso que mudou. Linesman virou bandeirinha. Agora, ficou metido e é o outro árbitro, depois de haver sido assistente. Lineup é escalação. Back é beque. Half é lateral. Goal keaper – que os antigos chamavam de gorquipa – é goleiro.

Só o corner, no Rio, resistiu e não aceitou ser chamado de escanteio.

Então, com a diminuição das distâncias, a partir do avanço das comunicações que tornaram o mundo uma bolinha de pingue pongue, passamos a ver o futebol de todo canto a todo momento.

E nos rendemos à linguagem deles.

Fez três gols? Hattrick?

Não sofre gols? Clean sheet

Há ainda outro movimento em marcha. Muita gente optou por ver o futebol essencialmente por seu lado tático. Os analistas de desempenho ganharam espaço e criaram uma linguagem toda deles.

O problema, a meu ver, é que essa linguagem está sendo transportada para a "conversa" com o leitor, com o ouvinte, com o vidente, sem nenhuma adaptação. E tome termos como diamante, pirâmide com base invertida…

Outro dia, um amigo do tweeter disse que Cueva é "um deus do ataque posicional". Disse que não havia entendido e ele me mandou uma foto do Bayern. Também não entendi.

A língua muda, se adapta, não pode ser aprisionada. Deletar é um verbo totalmente aceito. Tudo bem, ninguém deseja isso, mas não é possível fazermos uma nova linguagem futebolística a partir das novas necessidades? Sem copiarmos os termos ingleses? E sem usarmos os termos dos analistas de desempenho?

Até agora, só vi uma tentantiva. Usar extremos para os jogadores abertos na penúltima linha. Extremos, gostei. Detesto wingers, que deve ser a mesma coisa.

E os campeonatos?

Se dizemos Copa do Mundo, por que dizer Champions League? Não pode ser Liga dos Campeões?

Somos tão incompetentes assim? Voltaremos ao tempo do goal keeper? Do linesman? Da lineup?

Tomara que não. Seria o colonialismo em última instância.

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.