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"Pirâmide Invertida" fala de tática sem "tatiquês". Tem belas histórias

Menon

09/12/2016 08h46

piramideUm livro de 450 páginas que se propõe a contar a história da tática no futebol pode cair em duas armadilhas: não cumprir o que prometeu e abusar de termos desconhecidos, longe do senso comum. Ser prepotente e chato de ler. Pirâmide Invertida, não. O livro de Jonathan Wilson, lançado agora no Brasil, pela editora Grande Área, tem muita informação, tem texto leve e histórias que caberiam muito bem em uma mesa de bar. Que é o segundo habitat natural do soccer, do cálcio, do futebol.

A masturbação, por exemplo. Ela está entre os motivos (um bom motivo?) para o início do desenvolvimento do futebol a partir de 1837 (início da Era Vitoriana, na Inglaterra). Na realidade, o motivo verdadeiro é o combate à masturbação, citada pelo reverendo Edward Thring, como uma prática que levaria a "sepulturas precoces de desonradas". O futebol, por ser um esporte coletivo, por exigir coragem, frieza e resistência, seria um antídoto perfeito.

Só se for pelo cansaço, convenhamos. Afinal, por séculos e séculos, os dois caminharam juntos como esportes preferidos da adolescência.

Mas, nos fixemos no futebol. Wilson, quando se trata de Brasil, é meticuloso. Ele, um estudioso inglês, nos mostra que foi Martim Francisco, do Vila Nova, um dos prováveis inventores do 4-2-4. E lá está o "campinho" com Arizona, Madeira, Anízio, Lito e Tião; Vicente e Foguete; Osório, Vaduca, Chumbinho e Escurinho.

Esta menção mostra a qualidade do livro. Um esquema do Vila Nova ao lado de outros tão famosos, como a disputa entre Internazionale x Celtica, na final da Copa da Europa em 1967, como Brasil x Uruguai na final de 50, como as diferenças sutis nos Brasis de 1958 e 1962, como um amistoso entre Wolves e Honved e 1954, como o famoso Hungria 6 x 3 Inglaterra, de 1953 em Wembley.

O capítulo 14 engloba um período rico para o futebol. Duas seleções que levaram a alegria ao mundo, com a vitória em 1970 e mesmo com a derrota em 1982. Deixarei vocês com alguns extratos de darem água na boca.

"É certamente significativo que os momentos memoráveis da Copa de 1970 sejam essencialmente não competitivos: o chute de Pelé do meio do campo contra a Tchecoslováquia não entrou; e depois de uma finta de corpo sensacional contra o goleiro uruguaio Ladislao Mazurkiewicz, na semifinal, ele não marcou com o gol aberto"

"Os avanços de Jairzinho pela direita deixavam espaços atrás deles, mas isso não era problema, porque Carlos Alberto Torres era um lateral ofensivo. Ele também avançava e a defesa se ajustava (….) Everaldo era um lateral muito defensivo, o que dava equilíbrio a linha de quatro defensores, mas significava que, se um ponta-esquerda ofensivo – como Edu, do Santos – fosse escalado, surgiria um perigoso espaço daquele lado, o tipo de fraqueza que Alcides Ghiggia explorou na final de 1950. (NOTA MINHA Importante ver aqui como a noção de compactação não é uma novidade, como Zagallo se preocupou com isso e como conseguiu uma solução virtuosa que foi a escalação de Rivellino por aquele lado).

"Menotti era uma figura encantadoramente romântica. Magro como um lápis, fumante compulsivo, com cabelos à altura dos ombro, costeletas grisalhas e um olhar penetrante".

"Zico disse que foi o "dia em que o futebol morreu", mas concordar com isso seria enxergar tudo pela percepção particular de um brasileiro romântico. De fato, aquele foi um dia em que uma certa ingenuidade do futebol morreu; depois dele, deixou de ser possível simplesmente escolher os melhores que eles atuassem como quisessem, foi o dia em que o sistema venceu. Ainda havia lugar para gandes talentos ofensivos individuais, mas eles deveriam estar incorporados numa organização que os protegesse e lhes desse cobertura".

São exemplos que peguei rapidamente, enquanto devoro o livro.

Pirâmide Invertida é um exemplo para pessoas que saem das salas de scouts e chegam às redações. E fazem a transição sem uma preocupação com a linguagem, tentando impor suas verdades e sentindo-se como salvadores do futebol.

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Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.