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Friedenreich e o DNA do futebol brasileiro, por Luiz Carlos Duarte

Menon

09/03/2013 14h05

Meu amigo Luiz Carlos Duarte, editor-geral do "Agora" escreveu um livro imprescindível para quem gosta de futebol em geral. Muito mais importante, ainda, para quem gosta de futebol brasileiro. Quem ler "Friedenreich, a saga de um craque nos primeiros tempos do futebol brasileiro", conhecerá a vida do primeiro grande artilheiro de nosso esporte mais querido, mas, além, disso entenderá como nasceu o nosso estilo de jogar o esporte inventado pelos ingleses.

 Arthur Friedenreich nasceu em 18 de julho de 1892. Era neto de Guilherme e Guilhermina, imigrantes alemães e filho da mulata Mathilde. Seu pai se chamava Oscar. Três anos depois, Charles Muller organizou o primeiro jogo de futebol no Brasil. Em 1909, com 17 anos, Friedenreich estreou pelo Germânia, com uma derrota por 4 a 1 para o Palmeiras (não o Palmeiras atual, recordemos). Fez seu primeiro gol. Jogou até 1935, quando aos 43 anos, deixou uma carreira de 605 jogos e 595 gols.

Não são números incontestáveis, explica Duarte. Não havia cobertura diária dos clubes de futebol e a pesquisa foi muito difícil. Mas é muito mais correta do que as antigas, que creditavam 1329 gols a Fried. "Marcou 1329 gols e não tinha uma casa" foi a manchete de O Estado de S. Paulo, em 7 de setembro de 1969, um dia após a morte de Fried.

 "O mais importante do livro é mostrar que a geração de Friedenreich iniciou as grandes conquistas do futebol brasileiro e, mais importante, essas conquistas, como o sul-americano de 1916 forjaram o DNA do futebol brasileiro", afirma Duarte. E como era esse DNA?

 Vejamos alguns depoimentos de jornalistas brasileiros após o Sul-americano de 1919 e franceses, após a excursão do Paulistano, pela França, em 1925.

 O ESTADO "Os jogadores brasileiros evidenciaram possuir as melhores qualidades que se pode desejar em futebolistas, qualidades que somente eles, e nenhum outro povo, reúnem todas: agilidade assombrosa que torna quase sempre invencíveis as arremetidas fulminantes feitas a toda velocidade, sem o tão preconizado abuso de passes.

 A GAZETA, do Rio "A nossa ligeireza não em rival no continente. Os rivais não passam correndo. Só chutam depois de ajeitar. Raramente usam dos passos largos para frente…(entrevista do goleiro Paulo de Magalhães, do Flamengo"

Prestem atenção, que está aqui, em 1916, detalhado o nascimento do futebol brasileiro. O time tinha velocidade, tinha lançamento longo e chutava de longe. Os uruguaios e argentinos passavam curto e com pouca velocidade. Passaram-se quase 100 anos e o passe perfeito continua sendo a grande qualidade dos argentinos ("toco y me voy" e dos uruguaios. Os brasileiros, graças a Deus, somos os mestres do drible.

 E foi um drible, não de Friedenreich, mas de Neco, o primeiro grande ídolo corintiano, o grande lance do sul-americano de 1916, na final, contra os uruguaios. Ele recebeu a bola antes do meio-campo, driblou Gradin, avançou, passou por Vanzinno, na lateral do campo, entrou em diagonal, passou por Zibbechi, livrou-se do carrinho o capitão Foglino, que tentou a cobertura, foi até a linha de fundo e cruzou. Heitor cabeceou, Saporiti rebateu e Fried marcou.

 Os uruguaios eram os grandes da América do Sul. Ganhariam as Olimpíadas de 1924 e 1928, além do Mundial de 1930. Em 1925, eram a referência de futebol da América do Sul para os franceses. E, depois da vitroriosa excursão do Paulistano, em 1925 (nove vitórias e uma derotam com 30 gols marcados, 11 deles por Fried) – houve comparações entre os dois estilos. O primeiro jogo terminou com vitória por 7 a 2 sobre a seleção francesa. Vejam os comentários

 Le Journal – "Vitória nítida, indiscutível, muito superior aos 5 a 0 dos uruguaios sobre a seleção de Paris, cinco dias antes. Tendo visto como os brasileiros jogam compreende-se como eles puderam vencer a turma do Uruguai. É que, sem por em prática um jogo tão científico, eles são mais perigosos, mais eficientes pelo jogo fogoso, ardente e insistente, em passes rápidos, seguros e em investidas excessivamente velozes que deixam estupefata a defesa adversária".

 Paris Midi – "Esses brasileiros são ingênuos ou trocistas. Começaram oferecendo uma palma de flores com as cores de seu país e depois fizeram uma espécie de feitiçaria paa no fim nos dar uma sova com todas as regras da arte"

Excelsior – "Certamente o Brasil joga bem, finta habilmente, mas sobretudo sabe fazer jogar aos seus vizinhos e sabe jogar com eles. Os pequeninos passes trocados deixaram frequentemente nossos defensores patetas"

 Le Miroir dês Sports – "Os brasileiros decerto que jogam bem. Sabem correr, marcar, passar a um ponto determinado (Nota: o jornalista queria dizer lançar, fundamento que os franceses não conheciam e nem sabiam nomear) mudar o sentido dos ataques, proceder por ofensivas curtas e precisas e enfiar a bola no arco"

Bem, estou me alongando. Tem muito mais no fascinante livro do Duarte, que será lançado brevemente. É uma aula para quem gosta de futebol. E, para mim, fica um gosto de tristeza. E impressionante, como, ao longo dos tempos, os europeus tentaram assimilar nossas qualidades e como nós passamos a nos deliciar com os seus defeitos. Neymar é assediado pelos principais clubes da Europa. E aqui, é criticado por driblar muito. Os europeus o querem. Nós apostamos que ele fracassará por lá.

PS – Eu também não gosto quando Neymar finge faltas.

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.