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Menon

Djalma Santos, Celso Scaravelli e Adolpho Símon

Menon

24/07/2013 14h07

A imagem que tinha do meu avô, Adolpho Símon, era de um alemãozão de quase dois metros, mais de cem quilos e olhos azuis como de cachorro. Imagem que o tempo destruiu. Fotos mostram um homem mais baixo que meu irmão, o Passional, que não chega a 1,80m. E nem era tão gordo como parecia. Os olhos eram mesmo azuis.

O passar dos tempos serve para dar a verdadeira dimensão de como eram as coisas antigas. Uma estória que meu avô contava sobre Djalma Santos, por exemplo. Maravilhosa, mas possivelmente apenas estória.

Adolpho Símon era fazendeiro. Tratava bem os empregados, era respeitado mas, vamos dizer as coisas bem claras, era racista. Um racismo de certa forma ingênuo. Cada vez que seu time contratava um jogador ele perguntava se era branco ou negro. Se fosse negro, ele mostrava seu desacordo com a frase : "se ainda fosse o Djalma Santos".

Como não havia espaço para um neto questionar seu avô sobre atitudes racistas, como não podia demonstrar diretamente meu desacordo com elas, perguntei: "mas vô, o que o Djalma tem de diferente assim?"

E ele me contou a estória. "Um dia o Palmeiras foi jogar em uma cidadezinha do interior e um torcedor, grudado no alambrado, ficou ofendendo Djalma o tempo todo. Ali, pertinho, quase no ouvido dele. No segundo tempo, o torcedor mudou de lado e continuou com a palhaçada. Até que teve um lateral para o Palmeiras. Djalma foi cobrar. E o torcedor, ali pertinho ofendendo, viu que sua aliança havia caído na grama. Djalma percebeu, pegou a aliança e devolveu para o homem. Bateu o lateral e foi aplaudido. O sujeito calou a boca".

A estória me emocionou. Hoje, passado tanto tempo é fácil ver que não passa de uma lenda: o Palmeiras não jogava em cidadezinhas do interior onde o alambrado é grudado na lateral e onde se permite que alguém grudasse no ouvido do jogador gritando insultos. E alianças não caem de dedos.

Mas era uma maneira de meu avô respeitar a fidalguia de Djalma Santos. Se a estória é lenda, ela se baseia em algo real: Djalma Santos em mais de 20 anos de carreira, por Portuguesa, Palmeiras, seleção paulista, seleção brasileira e Atlético-PR nunca foi expulso.

Nunca. Esse estilo clássico, extremamente técnico, ficou marcado no futebol mundial. E Djalma era um jogador espetacular. Na Portuguesa, jogou ao lado de craques como Brandãozinho, Ceci, Pinga e Simão. Foi titular na Copa de 1954. No jogo contra a Hungria, mostrou sua categoria. Os húngaros eram o terror. Aqueciam antes dos jogos, entravam em campo a mil e faziam dois gols em cada jogo, antes dos dez minutos. Contra o Brasil foi assim. Um gol aos cinco, outro gol aos sete e….pênalti para o Brasil.

Há uma indecisão sobre quem bateria. Djalma pega a bola e cobra com perfeição. Sem nenhum medo. O jogo virou 2 a 1, a Hungria fez o terceiro aos 15 do segundo tempo, o Brasil diminuiu aos 20 e o jogo foi definido aos 43 do segundo tempo com o quarto gol deles

Em 7 de setembro de 1965, o Brasil venceu o Uruguai por 3 a 0 no Mineirão. O Brasil foi representado pelo Palmeiras, em sua primeira versão de Academia. O time era Valdir, Djalma Santos, Djalma Dias, Valdemar Carabina e Ferrari, Dudu e Ademir, Julinho, Servílio, Tupãzinho e Rinaldo. Uma equipe lendária com seu lendário lateral. Em 1958, Djalma Santos era reserva de De Sordi. Jogou apenas a final da Copa. E foi eleito o melhor lateral da competição.

Djalma marcou época, com um estilo muito mais técnico do que aguerrido. Um cavalheiro que, com seus gestos e atos em campo, permitiu que a lenda contada por Adolpho Símon tivesse ares de realidade. Uma vez, uma única vez, Djalma Santos jogou pelo time do meu avô. Emprestado. Nesse final de semana, Portuguesa, Palmeiras, Atlético-PR têm obrigação moral de jogar de luto. Tiveram a honra de ter Djalma Santos. Os outros deveriam jogar de luto por nunca terem tido esse prazer. E, em todos os estádios um enorme minuto de silêncio devia bradar ao mundo que o futebol brasileiro está mais pobre. Porque todos os estádios e todos os clubes se sentiriam maiores e melhores com a presença de Djalma.

Cavalheirismo e fidalguia também acompanharam a vida de Celso Scaravelli, o médico que veio não sei de onde para fazer amigos e medicina em Aguaí. Uma pessoa espetacular, um amigo, alguém que se vai e deixa lacuna difícil de ser preenchida.

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.