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Menon

Tristeza e revolta no velório da Portuguesa

Menon

11/12/2013 17h16

Os nomes não interessam. Pode ser Patrício, Mauro, Felipe, Diogo, nomes portugueses porque é da Portuguesa que se fala nessa tarde do dia seguinte à bomba que pode levar o clube de volta à segunda divisão. Ali, nas alamedas, nos bancos metade vermelhos e metade verdes, em frente às piscinas sem público, perto do bar da sueca, eles se encontram. Falam em voz alta e sotaque carregado sobre o futuro, sobre angústia, desalento, ódio e amor. São portugueses, mas poderiam ser Santiago Zavala, o Zavalita, personagem de Mário Vargas Llosa, em  Conversa na Catedral, que um dia, caminhando por Lima, se pôs a pensar:  "Em que momento o Peru tinha se fodido?", diante das suas incertezas e de seus amigos sobre o futuro.

"Eu comprei quatro cadeiras, eu doei 2500 sacos de cimento, eu fiz caravana do meu bolso com 21 ônibus para Piracicaba, dei minha vida por esse clube que eu amo e agora só posso chorar. O que tem de fazer é enforcar esse corno de Mané da Lupa na nossa árvore mais alta. É isso que temos de fazer"

"Pois eu concordo. Não tem Fluminense não tem nada, foi o Da Lupa que fez isso. Ele fez tanta merda e agora acendeu o estopim para botar fogo na casa".

"Hoje, todo torcedor da Portuguesa está sendo humilhado, no trabalho, com os amigos, seja onde for. Ou esta sendo humilhado por incompetência ou por pequenez. Ou somos incompetentes e fizemos isso com a gente mesmo ou somos muito pequenos e permitimos que os outros fizeram. Meu filho tem cinco anos, comemorou que não caímos e agora como eu vou falar para ele que era mentira. Não tenho condição de fazer meu filho torcer para a Portuguesa".

"O meu entrava em campo com o César, o Emerson, o Rodrigo Fabbri e agora é são-paulino. Eu faço minha parte. Tenho medo de agulha e mesmo assim fiz uma tatuagem com a cruz de Avis para comemorar que o time não caiu. Agora, o que eu faço com a tatuagem, da Lupa"?

Alexandre é o nome que pode ser dito. Aleandre Barros, conselheiro do clube e dono da Equipe Líder, que acompanha a Portuguesa em todos os jogos. "A Portuguesa deve R$ 850 mim mensais de dívidas trabalhistas. Deve mais R$ 300 mil de dívidas bancárias. Tem de pagar salários atrasados de outubro, novembro, dezembro e mais 13º. Isso dá uma dívida de R$ 6 milhões que o Ilídio Lico (novo presidente, que assume dia 2 de janeiro) tem de pagar logo no íniício. Ele pode chamar os jogadores e propor uma renegociação por 18 meses. Fica , comprometido, mas com R$ 19 milhões da Globo, mais da Federação, mais arrecadações, dá para empatar. Só que na segunda divisão em vez de R$ 19 milhões é no máximo R$ 7 milhóes"

"É isso, tem de acabar com o futebol. Nós acabamos"

´"É  uma humilhação muito grande para nossa raça. Temos de processar todos os blogueiros que fizerem piada com inteligência de português".

Alexandre conta como foram os dias que antecederam os últimos jogos. "O clube devia para os jogadores e precisava ganhar da Ponte. Em 24 horas, arrumamos R$1,2 milhão. Chegou gente aqui com dinheiro vivo, trazido por segurança, fui em dono de posto e peguei cheque, quase seqüestrei outro, o dinheiro chegou. O time ganhou e se livrou".

Tudo resolvido?

"Nada disso, a turma entrou em greve para receber o que faltava. E começou tudo de novo. Se não pagasse, era capaz de ter WO e o time ser desclassificado. Aí, teve outra vaquinha, gente que nem vem ao clube colaborou. E aí, o time entra em campo, empata e sacramenta a salvação. E agora vem essa bomba".

"O que dói é que era um momento de recuperação. Seria o terceiro ano seguido na Série A e com chance de continuar porque tem dos grandes na B. Aí, vem esse desânimo. Os mais novos não querem sofrer e nós estamos cansados de sofrer".

Vem então, de um deles, a vontade de lutar até o fim.

"Se a gente cair, o clube não agüenta mais três anos. Então, tem de trucar e ir para a Justiça Comum. Arrasta esse julgamento. É ano de Copa e o Marin não vai querer incerteza diante da Fifa, vai deixar tudo mundo na A. Temos de fazer como o Gama naquele ano"

"Mas o Gama foi perseguido depois. Se deu mal"

'Mais mal do que já estamos?

Alexandre, antes de sair, garante que o clube não fecha o futebol. "Eu não vou dizer para os meus filhos que o pai não conseguiu salvar o clube. Se for assim, eu assumo. Monto um time barato e competitivo sem ter Lacerda (zagueiro que veio do Goiás) e que nunca entrou em campo e ganha R$ 50 mil por mês. Se o Vanderson ganhava R$ 8 mil no Oeste não pode vir para cá ganhando R$ 42 mil. Se fosse R$ 20 mil já era muito. Arrumo um monte de gente e pago o time. Não vai morrer não".

Ele se vai.

"O Alexandre sonha ser presidente do clube. É bom que ele se entusiasme assim. Também já fui assim, mas acabou. Foi muito pior que o Castrilli. Aquele ano ficou claro que nunca deixariam a gente ganhar alguma coisa. Agora, nós mesmos acabamos com a chance de sobrevivência. Para  que lutar. O mundo está cagando para a Portuguesa".

"Realmente, nosso velório está durando mais que o do Mandela. Acho que é o fim".

Tentei  animá-los dizendo que o Icasa quase subiu esse ano e que a Portuguesa pode subir novamente, caso caia mesmo.

Não consegui. Os olhares que recebi eram de agradecimento e resignação. Como em um velório lusitano. Nada a ver com a celebração de vida como foi o de Mandela.

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.