Topo

Menon

Encontro marcado

Menon

25/01/2014 11h11

ESSA MATÉRIA FOI PUBLICADA INICIALMENTE NA REVISTA ESPN. CONTA O ENCONTRO ENTRE A JOQUETA JEANE E A ÉGUA ADRYA EM UMA CORRIDA NO JÓQUEI CLUBE.

NA SEGUNDA , EU VOLTO.

 

A CEARENSE JEANE ALVES, 22 anos e 51 kg, e a paranaense Adrya di Job, 3 anos e 425 kg, tinham um encontro marcado para o dia 19 de março de 2011. Encontro fácil de realizar-se, pois as duas dividem o mesmo endereço: Avenida Lineu De Paula Machado, 1.263 – Butantã/Rio Pequeno – São Paulo. O Jockey Club de São Paulo.

Adrya tem a seu dispor um es paço de 4 x 3 metros. Ali, se alimenta e dorme; algumas vezes em pé, outras, deitada no feno. Tem sono inquieto e não aceitou a presença de uma ovelha ali colocada para fazer companhia. Tentou atacá-la e passou a viver sozinha.

O espaço de Jeane é um pouco maior – quarto, cozinha e banheiro. Nada de sala. Apenas uma cama de solteiro, um guarda-roupa, muitos bichos de pelúcia – o maior é um enorme sapo verde – e uma televisão de plasma de 32 polegadas, único luxo de alguém que recebe R$ 3 mil em salário, fora prêmios mensais de até R$ 5 mil. É a casa de Jeane desde que deixou de ser aprendiz e passou a ser joqueta. Ela sai dali poucas vezes para fazer algo que não seja treinar.

O cinema do shopping próximo ao JC é seu destino favorito para passeio. Nas poucas saídas noturnas, prefere ir aonde possa ouvir música sertaneja ou forró. Não bebe nem namora. Por enquanto, seu coração bate apenas pela família, pelo turfe e por Corinthians e Ceará.

Na semana anterior ao encontro, pouco contato entre elas. Na segunda e quarta, logo às seis horas, após o magro café da manhã de Jeane (leite, café, pão e manteiga) e antes do lauto almoço de Adrya (quatro quilos de aveia, um de ração, 1,5 de cenoura, alfafa e capim verde à vontade), que seria repetido à tarde, a égua andou, caminhou, trotou e galopou sob o comando da parceira. Um modo de justificar os R$ 1,3 mil que os proprietários gastam mensal- mente com sua alimentação. Na sexta, véspera da corrida, descanso. "Adrya é uma égua bonita, magra e rápida, mas é um pouco preguiçosa. Antes da corrida, não gosta de treinar", conta Elídio Gusso, 64 anos, que cuida de 28 cavalos e é treinador desde os 17. "Aos 12, comecei como cavalariço, lá em Curitiba. Depois virei treinador e, quando estava com 24 anos, vim para São Paulo. Já estou há 40 anos por aqui."

Antes dos contatos que antecederam a corrida, Jeane não se lembra de ter visto Adrya. Com certeza, passaram uma pela outra nas manhãs de treinamento, em que cavalos e éguas – todos da raça puro-sangue inglês – desfilam com elegância pelas raias rápidas de grama ou pesadas de areia. Elegância não apenas de porte, inerente à raça, mas também no vestir. Estão com a manta do stud que representam, com patas enfaixadas com cores diversas, más- caras multicoloridas na cabeça e, no caso de Adrya, um pompom vermelho entre as orelhas.

QUANDO ADRYA COMEÇOU A CORRER, em janeiro de 2010, Jeane vivia o pior momento de sua carreira, prestes a desistir da profissão que havia adotado por influência dos primos Aderlânia e Dejaci. A história da joqueta começa em Aracopiara, no interior do Ceará, próximo a Limoeiro, terra de Padre Cícero, de quem é devota. A diversão na cidade de 50 mil habitantes é a vaquejada. A festa anual chega a receber 10 mil turistas, com direito à presença de trio elétrico e bandas de forró.

Jeane, filha de fazendeiros, era uma das atrações da competição. "A vaquejada é assim: um boi fica preso no curral e de- pois é solto. Quando sai, ele está cercado por dois cavaleiros, um à esquerda e outro à direita. Sem poder se mexer para o lado, o boi sai correndo em uma pista de mais ou menos 120 metros. Os cavaleiros vão seguindo o boi. Um deles só cerca e o outro tenta agarrar o boi pelo rabo e derrubar. Eu era da turma que cercava, não tinha força para derrubar o boi", lembra. A vida seguia assim: estudo, pouca diversão e espera pela vaquejada. Até que a prima viajou para São Paulo para visitar uma irmã. Conheceu um funcionário do Jockey que lhe falou sobre a escolinha. Aderlânia ficou, trouxe o irmão, Dejaci, e, no ano seguinte, o convite foi para Jeane. Difícil foi convencer a mãe. "Ela falou que não conseguia ver a filha dela ganhando a vida montando cavalo", lembra Jeane. Ela insistiu muito até conseguir convencer o pai, que lhe deu de presente de final de ano a passagem de avião do Ceará para São Paulo.

Durante o processo de negociação de Jeane com a família, Adrya di Job nasceu, em 8 de julho de 2007, pesando 40 kg.

JEANE NÃO SOFRE de falsa modéstia. Ela sabe que é boa. A menos de um mês para se profissionalizar, já havia vencido 130 corridas, mais que o dobro do necessário. "Aí, ela foi fazer um favor para alguém e aceitou correr no hipódromo de São Vicente", conta Elídio, dando a entender que vem aí uma história triste. Jeane fica nitidamente chateada quando se lembra da ida a São Vicente. "Estava no auge, naquela semana tinha montado seis vezes e vencido cinco páreos. Era conhecida e fui convidada para dar público na corrida."

Era 22 de janeiro de 2010 e Jeane montou Periquito 2, um tordilho – animal com cor cinza mesclado de branco – de quatro anos e 480 kg. O páreo era de 1.600 metros e Periquito estava em terceiro, até a curva dos 300 metros. "Aí, tudo começou a complicar. Ele não ligou mais para mim, não quis fazer a curva e foi abrindo muito, foi em direção à cerca. Puxei, puxei, tentei trazer ele de volta, mas não deu. Passei 50 metros tentando, um tempo muito rápido. Olha, nem dá para ficar nervosa ou desesperada, eu só lutava para fazer o meu trabalho. Não deu certo." Cavalo e joqueta foram para a cerca, que não resistiu. Jeane voou longe do animal e caiu a alguns metros dele. Quebrou o braço direito. "Achei que ia morrer. Tudo veio junto na memória, lembrei-me da minha mãe. Foi um susto enorme. O pessoal que me acompanhava me levou para fazer os primeiros socorros. Era uma sexta-feira e, na segunda, fui para o hospital. Foi difícil ligar para casa e contar tudo o que estava acontecendo."

Ficou cinco dias no hospital e mais 80 em casa, de repouso. A cicatriz enorme esconde o pino de 8 centímetros que recebeu. Teve alta em 10 de abril e no dia 19 foi "assinar" montaria. Toda segunda-feira, o jóquei fica sabendo o número de corridas em que participará no final se semana seguinte (sábado, do mingo e segunda). Em média, são 13 páreos para se trabalhar. Jeane tinha medo de não receber nenhuma chance, de estar conde- nada ao esquecimento. "Cheguei para assinar os papéis e tive um susto enorme, quase caí para trás. Eles estavam me dando 25 páreos, todo mundo queria me ajudar. Foi uma emoção muito grande", diz. E um dos páreos era especial: o Grande Prêmio João Cecílio Ferraz, de 1.500 metros. Venceu e sentiu que sua carreira estava para deslanchar. Três semanas depois, outro grande momento. O maior de todos. Em 16 de maio, recebeu o convite para montar Xin Xu Lin, um castanho de dois anos no GP Juliano Cabral, corrida do Grupo 1, a série mais importante do turfe brasileiro. Vitória por seis corpos de diferença, a primeira de uma mulher no Grupo 1.

DIAS DEPOIS, foi a vez de Adrya di Job vencer, logo na estreia. Em 15 corridas antes do encontro com Jeane, havia construído um currículo de uma vitória, cinco segundos, dois terceiros, dois quartos e um quinto lugares. Um total de R$ 13 mil em prêmios para o seu proprietário.

E chegou a hora de as duas carreiras se encontrarem. Jeane montou Midnight Rambler no primeiro páreo, Barbatana no segundo, descansou no terceiro, montou Youngling no quarto, descansou no quinto e sexto e esperou por Adrya, que estava com Elídio. "Chegou a hora de correr, bichinha, vamos lá fazer bonito", sussurrou o treinador, enquanto colocava a sela. A dez minutos do páreo, Jeane, com uniforme branco, com um círculo grande e negro, montou, com agilidade. Juntamente com outros cavalos e jóqueis, passaram diante do público, em um desfile  multicor que reuniu 15 duplas.

Foram até a largada. Jeane pensava na tática pré-determinada: sair atrás e ir ganhando posições rapidamente. Adrya saiu e chegou atrás. Em décimo, fazendo os 1.800 metros em 1min50s842, a oito corpos de Parapatimbum, a vencedora, que marcou 1min40s505. "No dia seguinte, vimos que estava com febre e sem muita resistência", lamenta Elídio.

Jeane voltou a correr em seguida, montando Grand I Ask. Mas a vitória só viria no dia seguinte, com Céu da Guanabara, após perder com Trem Bão, Seringueira e Hilariante Marjory.

Um novo encontro com Adrya di Job ainda dependia de Eduardo Assali Achôa. Caberia ao dono da égua decidir se ela seria montada por Jeane.

Assim como técnico de futebol, joqueta também vive de resultados.

 

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.