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Menon

O gigante verde faz 100 anos. E eu aplaudo de pé (2)

Menon

26/08/2014 10h02

FAUSTOSPIR

O DIA EM QUE LEÃO CALOU A HOLANDA E ACORDOU O TURCO SPIR

Brasil contra a Holanda em 1974. Desde o início, a Laranja Mecânica nos sufocava. Em Lins, em frente a uma televisão velha, preto e branco, eu prestava atenção, torcendo muito. Torcendo as mãos, de nervoso.

Era difícil ouvir, pela qualidade da televisão e pelo ronco do Turco Spir. Era sempre assim. Um ritual. Turco Spir comia muito, bebia ainda mais, olhava um pouco o jogo e…roncava.

Turcão era lenda em Lins. Uma vez, na Rodoviária, já um pouco alto, aproximou-se de um policial. Respeitosamente, argumentou que era estudante da Engenharia e que contribuía com a economia da cidade. Por isso, pedia que o policial o levasse até a Beradinha, casa de prostituição na zona boêmia.

O guarda disse que o levaria. Entrou no camburão e foi diretamente para a cadeia, onde passou a noite.

Ótimo aluno, Turco Spir se garantia na escola, apesar da vida meio torta.

Quando dormia, não acordava. Naquele dia, foi diferente. Foi quando um lançamento desde o meio campo encontrou Jansen na direita, nas costas de Marinho Chagas.

E nasceu aí uma das maiores defesas da história das Copas, comparável à de Banks, na cabeçada de Pelé, quatro anos antes.

Foi assim que a descrevi no meu livro "Os 11 maiores goleiros do futebol brasileiro".

"A maior defesa que Johan Cruyff, o grande craque (os mais críticos e céticos dizem que o único craque) da Holanda, viu em sua vida. Sempre fez questão de dizer isso em entrevistas e livros que escreveu.

Voltemos a Jansen, que recebeu aquela bola em profundidade logo a seis minutos de jogo. Quando a dominou, fez um lançamento sem muito brilho. Ela passou pelos atacantes e chegou ao lateral-direito Zé Maria, que se colocava na área como um zagueiro (Marinho Perez havia se deslocado para a esquerda para cobrir o avanço de Chagas).

O Superzé poderia dominar. Havia tempo para isso. Optou pela segurança e tentou um chutão. A bola saiu em diagonal, sem força, diretamente para o pé esquerdo de Cruyff. Ele estava ali, a um metro e meio da área pequena, mais perto do que a marca do pênalti. O chute foi forte, cruzado, e milhões de holandeses, no campo, na arquibancada, em casa, no bar, pularam para comemorar o gol. E viram Leão pulando antes do que eles, do centro do gol paa a esquerda, espalmando, com as duas mãos, para escanteio."

Em Lins, eu também pulei. E gritei. "PUTAQUEPARIU, TURCO, QUE DEFESA, TURCO". Spir acordou, assustado e ficou até o final do primeiro tempo se dormir. Viu a defesa no intervalo, vibrou e…voltou a roncar.

Leão era espetacular. Seguro, bem colocado, voador. Muita personalidade. Muito personalista. Trabalhador padrão. Eu não gostava muito dele, porque sempre fui fã de Marinho Chagas. E Leão, diz a lenda, agrediu Marinho após o final do jogo contra a Polônia, quando o Brasil perdeu a disputa do terceiro lugar. Bola nas costas do meu ídolo.

Para mim, Leão foi o maior goleiro do Brasil de todos os tempos.

DJALMA SANTOS E MEU AVÔ

 

A imagem que tinha do meu avô, Adolpho Símon, era de um alemãozão de quase dois metros, mais de cem quilos e olhos azuis como de cachorro. Imagem que o tempo destruiu. Fotos mostram um homem mais baixo que meu irmão, o Passional, que não chega a 1,80m. E nem era tão gordo como parecia. Os olhos eram mesmo azuis.

O passar dos tempos serve para dar a verdadeira dimensão de como eram as coisas antigas. Uma estória que meu avô contava sobre Djalma Santos, por exemplo. Maravilhosa, mas possivelmente apenas estória.

Adolpho Símon era fazendeiro. Tratava bem os empregados, era respeitado mas, vamos dizer as coisas bem claras, era racista. Um racismo de certa forma ingênuo. Cada vez que seu time contratava um jogador ele perguntava se era branco ou negro. Se fosse negro, ele mostrava seu desacordo com a frase : "se ainda fosse o Djalma Santos".

Como não havia espaço para um neto questionar seu avô sobre atitudes racistas, como não podia demonstrar diretamente meu desacordo com elas, perguntei: "mas vô, o que o Djalma tem de diferente assim?"

E ele me contou a estória. "Um dia o Palmeiras foi jogar em uma cidadezinha do interior e um torcedor, grudado no alambrado, ficou ofendendo Djalma o tempo todo. Ali, pertinho, quase no ouvido dele. No segundo tempo, o torcedor mudou de lado e continuou com a palhaçada. Até que teve um lateral para o Palmeiras. Djalma foi cobrar. E o torcedor, ali pertinho ofendendo, viu que sua aliança havia caído na grama. Djalma percebeu, pegou a aliança e devolveu para o homem. Bateu o lateral e foi aplaudido. O sujeito calou a boca".

A estória me emocionou. Hoje, passado tanto tempo é fácil ver que não passa de uma lenda: o Palmeiras não jogava em cidadezinhas do interior onde o alambrado é grudado na lateral e onde se permite que alguém grudasse no ouvido do jogador gritando insultos. E alianças não caem de dedos.

Mas era uma maneira de meu avô respeitar a fidalguia de Djalma Santos. Se a estória é lenda, ela se baseia em algo real: Djalma Santos em mais de 20 anos de carreira, por Portuguesa, Palmeiras, seleção paulista, seleção brasileira e Atlético-PR nunca foi expulso.

Nunca. Esse estilo clássico, extremamente técnico, ficou marcado no futebol mundial. E Djalma era um jogador espetacular. Na Portuguesa, jogou ao lado de craques como Brandãozinho, Ceci, Pinga e Simão. Foi titular na Copa de 1954. No jogo contra a Hungria, mostrou sua categoria. Os húngaros eram o terror. Aqueciam antes dos jogos, entravam em campo a mil e faziam dois gols em cada jogo, antes dos dez minutos. Contra o Brasil foi assim. Um gol aos cinco, outro gol aos sete e….pênalti para o Brasil.

Há uma indecisão sobre quem bateria. Djalma pega a bola e cobra com perfeição. Sem nenhum medo. O jogo virou 2 a 1, a Hungria fez o terceiro aos 15 do segundo tempo, o Brasil diminuiu aos 20 e o jogo foi definido aos 43 do segundo tempo com o quarto gol deles

Em 7 de setembro de 1965, o Brasil venceu o Uruguai por 3 a 0 no Mineirão. O Brasil foi representado pelo Palmeiras, em sua primeira versão de Academia. O time era Valdir, Djalma Santos, Djalma Dias, Valdemar Carabina e Ferrari, Dudu e Ademir, Julinho, Servílio, Tupãzinho e Rinaldo. Uma equipe lendária com seu lendário lateral. Em 1958, Djalma Santos era reserva de De Sordi. Jogou apenas a final da Copa. E foi eleito o melhor lateral da competição.

Djalma marcou época, com um estilo muito mais técnico do que aguerrido. Um cavalheiro que, com seus gestos e atos em campo, permitiu que a lenda contada por Adolpho Símon tivesse ares de realidade. Uma vez, uma única vez, Djalma Santos jogou pelo time do meu avô. Emprestado. Nesse final de semana, Portuguesa, Palmeiras, Atlético-PR têm obrigação moral de jogar de luto. Tiveram a honra de ter Djalma Santos. Os outros deveriam jogar de luto por nunca terem tido esse prazer. E, em todos os estádios um enorme minuto de silêncio devia bradar ao mundo que o futebol brasileiro está mais pobre. Porque todos os estádios e todos os clubes se sentiriam maiores e melhores com a presença de Djalma.

EU VI MEU CRAQUE APÓS UMA OBRA PRIMA

FERNANDO PELLEGRINO

Até então a partida que mais tinha ficado na minha memória foi aquela contra o Corinthians pela semi-final da Libertadores em 2000, não tanto pelo seu futebol, mas, mais pelas suas palavras ao final do jogo. Como sempre ao longo da semana o verdão tinha sido massacrado pela imprensa, dizendo que não éramos de nada, etc e tal.

Alex, logo após o Marcão pegar o pênalti do Marcelinho, disse o amor imenso que sentia pelo Palmeiras, tudo o que estava engasgado, da grandeza, desse gigante chamado Palmeiras, até hoje se eu ouvir o áudio de novo me emocionaria. Achei que nada iria bater essa minha admiração pelo Alex. Até que aconteceu aquele jogo pelo Rio-SP.

2002 era o ano. Mais uma vez éramos menosprezados, desprezados por todos, diziam naquela época que o São Paulo era mais forte que o Real Madrid, uma goleada era o mínimo que aconteceria com o Palmeiras. Minha mãe nesse dia comprou o pay-per-view. Começou o jogo, percebi que as coisas seriam diferentes, o Verdão já vencia por dois a zero, quando aconteceu o momento mais mágico que assisti no futebol.

Aquele gol de placa do Alex, aqueles dois chapéus que ele deu nos zagueiros são-paulinos , e no Rogério Ceni. Fui chutando tudo o que vinha pela frente, e berrando "Golaço!! Golaço". O gol que mais comemorei na vida até então. Esse gol rendeu placa de verdade, outdoor pelas ruas.

Pela semana estava sem nada pra fazer, resolvi dar uma olhada na livraria de um shopping. Quando entro, para o meu espanto estava lá meu ídolo, o craque da minha vida.Sem saber o que falar, cheguei perto dele e disse: "parabéns pelo gol" e o cumprimentei, ele, assim como eu, respondeu um "obrigado" com muita timidez. Pronto, eu não precisava, e não preciso de mais nada no futebol.

 

 

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.