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O nome é Helô. Mas pode chamar de usina produtora de notícias

Menon

03/03/2015 06h24

Helô chegou ao clube para o treinamento da manhã totalmente furibunda. Nervosa e brava, chegou para colocar os pingos nos is. Pediu licença ao treinador para falar em particular com um jogador. Recebeu uma negativa. Explicou o motivo e a resposta veio: "vai lá, guria".

Foi. Chamou o cara de lado e foi direta.

Por que você está falando por aí que tem um caso comigo?

Não fiz isso, de jeito nenhum. Não fiz, juro. Quem te falou isso?

Meu colega de trabalho. Ah, ele está ali. Vamos resolver agora.

Chamou o colega para se juntar ao grupo.

Então, você está falando por aí que o fulano aqui saiu comigo. Por que você falou? Foi ele que te contou?

As explicações do jogador e do colega vieram juntas, sem explicar nada. Confusas, balbuciantes, foram interrompidas por Helô.

Então, é o seguinte. Eu sou livre, solteira e desimpedida. Nem você e nem você tem o direito de falar de mim. Nada. Então, um lave a boca do outro antes de citar meu nome. Meu nome não é para ficar na boca de vagabundo.

E foi embora do treino. Foi assim, abrindo caminho – sem nenhuma delicadeza – em um mundo machista que Helô Campanholo construiu uma carreira vitoriosa na área de produção jornalística. Não só isso. Há também uma agenda com mais de mil nomes e uma vontade imensa de trabalhar, que lhe tirou muitos domingos da vida. É uma usina produzindo notícias.

A seguir, trechos da entrevista.

heloQual é a função do produtor de televisão?

Damos o encaminhamento da matéria. Vamos seguir nessa linha, nesse enfoque. Um exemplo: Osvaldo de Oliveira ajuda instituição de caridade. É o mote da matéria. Agora, o repórter é que conduz, que faz as perguntas como achar melhor. Hoje, o produtor também é pauteiro.

Participa das reuniões?

Sim, principalmente para ver o material de terça feira. Na segunda é mais uma recuperação do dia anterior. Se eu vou em um treino eu descubro coisas. Estava no treino do Palmeiras e vi o filho do Adriano Michael Jackson. Bati um papo com ele, vi que ele queria jogar bola e percebi uma matéria. Já peço para fazerem umas imagens e depois levo para a reunião de pauta. Aí, combino com o pai e com a mãe do garoto o melhor lugar para fazer a matéria. Marco o dia, o local e o repórter  vai.

Repórter participa da reunião de pauta?

Não. Participa o produtor, o diretor do programa, o  editor e o apresentador do programa. Aí,    a gente encaminha tudo para o repórter. Tudo ajeitadinho.

Você é boa pauteira?

Tive um mestre que é Roberto Avallone, um jornalista completo. Escreve bem e foi pauteiro do Jornal da Tarde um tempão. Ele dizia para mim qual o caminho a seguir. Vai por aqui, por ali, a matéria tem de seguir assim, tá faltando isso. E eu aprendi muito com ele e com a Regiani Ritter, que me deu a primeira chance. Comecei em 89 com eles.

Ficou triste quando ele saiu da Gazeta?

Muito triste, ele não merecia. Ficou doente e aproveitaram para tirar ele.

E foi montando uma agenda?

Sim, eu ia nos treinos e pedia o número de telefones dos jogadores para levar no Mesa Redonda da Gazeta. Muitas vezes o cara nem iria, mas eu já ia montando minha agenda. Tinha domingo em que ia ver jogo do Santo André, do São Caetano para pegar telefone de jogadores que depois podiam ir para um time grande. Era minha folga mas eu estava lá.

Então, sua agenda é enorme. E de papel?

Tem mais de mil nomes. Tem gente que já morreu, dá uma tristeza quando eu vejo o nome. Mas a minha agenda é diferente da sua, por exemplo. Você tem o nome do jogador e um número. Eu tenho o número dele, da mãe, da namorada, do amigo, do pai, do filho, da mulher. Cerco o cara de todo modo. Não escapa não. Tenho de papel, mas tenho no pen drive e também computador.

Tem um exemplo?

O Fábio Costa. Sou muito amigo da Mônica, mulher dele. Se eu ligo duas vezes para o Fábio e ele não atende, vou direto na Monica. E falo assim: o seu marido não quer me atender. Na hora, ela fala: Fábio, seja educado e atenda a Helô agora.

Você é amiga das mulheres de jogadores?

Sim. Ligo sempre, mesmo quando não é para trabalhar. Ligo para sair, tomar um chá, para bater papo. Assim, evito  de ficarem pensando besteira, de ter ciúmes e ainda consigo ajuda delas quando preciso. Fico amigo do pai também. O jogador fica para o final.

E dá certo?

Lógico. Eu convidava um cara e ele falava que não podia ir no programa porque tinha "compromisso familiar". Ai, eu ligava para a mulher dele e falava: que pena que seu marido tem compromisso familiar e não pode ir. Aí, a mulher desmente e fala assim: ele vai no seu programa, sim. Pode contar com ele. Não tem compromisso coisa nenhuma.

A função de produtor mudou?

Mudou muito. Antes não tinha celular para facilitar e nem assessor para atrapalhar. Eu respeito muito meus amigos assessores, mas muitas vezes eles fazem papel de censor. Perdeu o glamour. Antes, você ia no treino, falava com o jogador e tinha um sim  ou não na hora. Hoje, o assessor deixa a gente no gelo, não responde, fica aquela agonia. Quero uma resposta, não tenho tempo a perder. Então, ligo direto para o cara. Falo que o assessor, coitadinho, deve estar muito ocupado e não tem tempo para cuidar do assunto, então eu preciso saber se você vai ou não. Consigo a resposta e comunico ao assessor. Muitos deles usam o seu pedido como arma para colocar o jogador em programa da concorrência. Olha, a Helô quer, você não vai querer? É uma guerrinha besta, eu so quero sim ou não.

Tem um caso que ficou marcado?

Ah, foi o primeiro. O Tiradentes do Dadá Maravilha, que era técnico, vinha jogar com o Corinthians em São Paulo. Era um time de militares. Nunca falei com tanto militar na minha vida. Ligava para um, me passava para outro e outro, assessor, tenente, coronel. Não tinha celular na época. E consegui o Dadá no Mesa Redonda. E então, todos os repórteres das outras redes foram lá na Gazeta para falar com ele. E o militar do Tiradentes que estava acompanhando falou assim: a Helô que resolve, se ela deixar, ele fala. Cara, era o meu começo. Me senti a maior, estava começando. Não tinha facebook, não tinha whatsapp.

E o machismo?

Continua, mas era muito pior. Sofri muito. Se eu conseguia alguma coisa é porque tinha saído com alguém. Minha lábia e minha competência não valiam nada? Então, parti para a linguagem deles, jogadores e colegas machistas. Se falavam de mim, eu tirava satisfação, se falavam palavrão, eu retrucava?

Foi acusada de namorar jogador? Namorou?

Língua foi feita para falar. Diziam isso sim que eu saía com um e outro. Nunca namorei ninguém, nunca saí com ninguém.

Mas foi cantada?

Muitas vezes, mas eu era bocuda. Respondia. Você saiu comigo, é? Não me lembro. Saía para jantar com jogadores no Pantanal, no Baluarte, mas era só isso.

Como foi seu trabalho na Copa de 94, sem direitos?

Sem direitos e sem estrutura. Tinha eu, o Avallone a repórter Marisa de França e um diretor. Tinha de usar a criatividade. Usava a amizade com Muller, Paulo Sérgio, Mazinho, que me deu um furo. Ele era reserva do Raí. Chamei ele no cantinho e pedi uma entrevista. Sem mais nem menos ele falou que estava treinando como titular. Chamei a Marisa e demos a exclusiva que ele seria titular.

O que vocês faziam?

Só treino. Nada de jogo ou concentração. Nada de sala de imprensa. No dia de folga, eu levava Zinho, Ricardo Rocha e outros no nosso hotel. Era uma amizade muito grande. Eles queriam ajudar porque ajudei eles no começo. O Robinho fala isso pra mim: quando eu roía osso você me entrevistava, agora que eu estou no filé nunca vou te negar nada.

E o Roberto Carlos?

Amo. No bom sentido. Organizei um jogo entre amigos do Roberto Carlos e amigos do Robinho e levamos 32 mil pessoas no Pacaembu. Conheço o Roberto desde 92, quando era do União São João. Foi o Cafu que apresentou.

O Scolari é seu amigo. Ele te ajudou na seleção?

Não ajudou, mas facilitou meu trabalho indiretamente. Eu posso ligar diretamente para ele. Tenho contato direto. Então, é mais fácil cumprir meu papel de encher o saco. Ligo e peço. Ele aceita ou não. A vantagem no caso é que não tem intermediário?

E depois dos 7 a 1?

Mandei email e telefonei. Disse que estava ao lado dele como sempre. Conta comigo, disse. Ele não foi o único culpado. Muita gente errou. Técnico não joga. E eu caminho na rua, converso com muita gente e ele não é considerado culpado pela torcida. Estão do lado dele. Ele deveria continuar.

Quantas Copas você foi?

Todas desde 94, mas pulei a de 2002. Gostei muito de cobrir a de 2006, a estrutura era melhor. Fizemos muita coisa boa na Suíça e depois na Alemanha. Eu tinha credencial e ficava em um canto estratégico. Todo mundo parava para conversar comigo.

Você percebeu que estava muito solto, mulher invadindo treino etc.?

Percebi, achei muito estranho, mas aproveitei. Se a torcida invadia, isso facilitava para mim. Como vão dizer para eu não entrar, se tem um monte de gente no campo, cercando jogador, pedindo autógrafo? Mas eu não entendi nada naqueles 15 dias na Suíça.

Mas em Copa do Mundo, os jogadores não mudam o número do celular?

Os da Europa, não. Os do Brasil, eu procuro saber antes do embarque.

Quando você teve mais dificuldades?

Foi no Pan de Guadalajara. Estava na Record e tinha os direitos de transmissão. Pensei comigo que agora ia ser fácil depois de tanto tempo ralando sem direitos. E foi pior. Tudo o que eu pedia não podia. Os caras da CBF impediam tudo. Eu não entendia nada, pensava que nas outras competições as emissoras com direitos podiam tudo. Ai, eu usei o Romário.

Como?

Ele era comentarista. E levei ele no treino. Quem ia recusar falar com ele? Mas quando ele saía, voltava a dificuldade. Eu ficava no túnel, o jogo tinha acabado e o jogador parava para falar comigo. E eles tiravam o jogador. Depois, fiquei sabendo que a ordem era complicar.

No futebol feminino também?

Também. A lateral Maurine tinha perdido o pai. Eu queria falar com ela. A produção no Brasil contatou a mãe dela para falar com a filha. Eu tinha de fazer a minha parte. Como eu ia perder isso? Ela vinha vindo para falar comigo. Aí veio o cara da CBF  impedir. Não aguentei. Entrei por baixo da corda e chamei a Maurine. "Sua mãe quer falar com você". O cara veio puxar a Maurine e eu mandei ele ter respeito no momento de tristeza.

Por que essa má vontade com a Record?

Não sei qual o motivo, mas tinha.

Você conheceu grande parte do mundo sem aparecer na tela. Como é isso?

Eu sinto orgulho. Vim de Estrela do Oeste e quando me vim nos EUA na Copa do Mundo nem acreditei. Eu sai de Estrela do Oeste e estou aqui nos EUA. É um reconhecimento para mim e também para a minha profissão. A Bola de Prata, na Record, também emocionava.

Por que?

Olha, tinha de convidar 3 jogadores de cada posição para receber o premio. Eles vão sem saber se vão ganhar. Além dos 33, tinha de convidar os ex-jogadores para entregar. No total, com tanta gente e mais convidados dá umas cem pessoas. E eu sabia quem tinha ganhado. E não podia contar. Aí, quando dava tudo certo, anda via jogador emocionado, chorando. Aí eu virava consoladora. Cara, você está entre os três melhores do Brasil. Do BRASIL, não é para qualquer um não. No ano que vem, você ganha…

E nunca quis aparecer na tela?

Não e questão e querer. O problema é que quando aquela lusinha acende eu travo, perco a espontaneidade, viro outra pessoa. Nem consigo falar. Mas desde a faculdade, eu queria mesmo ser produtora. Quando vejo o programa no ar, até choro

 

 

 

 

 

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.