Corinthians, São Paulo e a derrota da tese do atacante único
Treinadores do mundo todo ao definir como o time jogará, fazem suas especulações a partir de dez homens. Modernamente, com ajuda de programas de computador, ou romanticamente – pobremente – com a prosaica distribuição de botões em um campo de madeira. Os menos pobres, em um Estrelão que tenha escapado da ação impiedosa do tempo.
Todos colocam o goleiro fixo e começam a usar a imaginação. Guardiola, talvez não. Por ser Guardiola e por ter Neuer como goleiro.
Os outros, da Espanha à Itália, do Butão ao Paraguai, trabalham com dez homens e suas infinitas possibilidades.
No Brasil, de hoje, não. Aqui, a brincadeira é mais restrita. Há duas possibilidades a menos. O goleiro, fixo. E o atacante, solitário. Como se fosse um cão sarnento, vigiado e maltratado por muita gente e abandonado por amigos. Alguns tentam se aproximar, fazer companhia, mas do lado mesmo, com a mesma vontade de fazer gols, com a mesma missão de dar alegria a seu povo, não. Ele é único.
Pode-se jogar no 4-2-3-1, 4-5-1, 3-6-1, 4-4-1-1, 4-1-4-1, pode-se usar triangulo no meio-campo, pirâmide de base invertida, hexágono com drone, pentágono com alarme contra incêndio acoplado, pode-se fazer tudo, desde que haja apenas UM atacante em campo.
Imagino a chegada de um novo atacante, vindo da base, ao grupo principal e se submetendo a uma entrevista de emprego com o novo treinador.
O que você sabe fazer, meu filho?
Driblo, passo e tenho um chute forte de esquerda. Também sou bom de cabeça.
Bom começo. Já sabe o menos importante. Agora, vai aprender a recompor o meio, acompanhar o beque, se posicionar no escanteio defensivo….Sabe dar carrinho? Isso é importante, filho.
Corinthians e São Paulo foram eliminados da Libertadores. São dois times adeptos (vítimas) da SAU – Síndrome do Atacante Único.
O São Paulo foi enfrentar o Cruzeiro com quatro zagueiros, e mais Michel Bastos na direita, Denílson, Souza e Wesley em uma segunda linha, Ganso como armador e Pato no ataque.
A ideia era segurar os ataques de Myke, pela direita. Ele não poderia se juntar a Marquinhos. Não adiantou. Marquinhos deitou e rolou o tempo todo. E por que, em vez de três volantes não se escalou um atacante a mais. Alguém também pelo lado, que causasse problemas à defesa do Cruzeiro? Alguém que não deixasse Pato tão isolado? Centurión, por exemplo. Mesmo que tivesse de ajudar um pouco.
Depois, houve a troca de Pato por…Luís Fabiano. Trocou-se o atacante único que volta um pouco pelo atacante único que fica na área, por estilo e pela idade. E, pior ainda. Pato bate pênaltis melhor que Luís Fabiano. O São Paulo, enfim, ficou o tempo todo tentando impedir o gol estrelado. Se fizesse um, o Cruzeiro teria de fazer três. Mas isso não foi levado em conta.
Alguns dias antes, contra o Flamengo, o São Paulo escalou a mesma linha de quatro, com Hudson em lugar de Michel Bastos. Mais defensiva ainda. E o Flamengo atacou pelo lado direito da defesa, com Anderson Pico se unindo a Gabriel. Ora, e, se em vez de Hudson estivesse Ewandro? Ou Cafu? Seria possível a aproximação de Pico? Ou o Flamengo teria com que se preocupar? Luís Fabiano, isolado, não preocupa ninguém. Apenas por seu currículo de goleador e pela capacidade – ainda intocada – de mandar para as redes uma bola bandida, solta por ali, pedindo me chuta, me chuta, me chuta (viva José Silvério).
E o Corinthians, contra o Guaraní?
Precisava fazer três gols e não sofrer nenhum.
O Guaraní montou uma linha de cinco atrás e quatro um pouco mais à frente. No ataque, apenas Santander. Mais isolado que alguém de burka em um campo de nudismo.
Contra esse muro defensivo, Tite veio com o mesmo 4-1-1-UM de sempre.
Mais novo, com a presença de Malcon, um garoto de futuro, mas um garoto. Por que não dar a Guerrero um amiguinho para brincar.
Como entender? Um time entra em campo para não tomar gols. O outro, entra para fazer três gols. E os dois jogam com apenas UM atacante.
Se entrasse com Mendoza, bem aberto, o que aconteceria?
O muro do Guaraní não iria, com certeza, se abrir como o Mar Vermemelho fez para permitir a passagem de Moisés. Mas seria mais difícil continuar fechado, como fez para Ramcés.
Tite só foi mexer após o final do primeiro tempo. Tirou Felipe e recuou Ralf. Colocou Danilo para jogar na esquerda, em lugar de Malcon, que deixou o campo. E colocou Mendoza.
Toquem as trombetas. Havia DOIS atacantes em campo. Mendoza e Guerrero, municiados por Danilo, Jadson e Renato Augusto.
Durou pouco. Fábio Santos foi expulso e Mendoza foi recuado para a lateral. Afinal, ainda era necessário fazer três gols, mas mais importante ainda é ter a defesa recomposta, com sua linha de quatro.
Sejamos justo. Um time pode ser ofensivo com apenas um atacante. Depende dos meias, depende da aproximação dos laterais e depende também da chegada do volante. Elias faz isso muito bem.
Mas, um time pode ser ofensivo também com DOIS atacantes sem se tornar presa fácil.
Não é possível ter um time compacto, agressivo e seguro com dois atacantes?
Bale, Benzema, Cristiano Ronaldo.
Messi, Neymar, Suárez,
Ribery, Lewandovski, Robben.
Não há jogadores assim no Brasil. Ribery e Robben são meias. Se você pensar assim, Hudson não é. É evidente, muito além das condições técnicas, que não entram em campo com a mesma missão.
Os nossos treinadores se recusam a ir além do pré-estabelecido. Estão presos a uma ideia. Não conseguem reciclar conceitos.
E o conceito atual é a submissão total ao ATACANTE ÚNICO.
PS1 – Tite é um ótimo treinador e pode levar o Corinthians a uma boa classificação no Brasileiro.
PS 2 – Milton Cruz fez um trabalho louvável no São Paulo. Deu organização ao time que recebeu de Muricy.
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