Sarriá, a tragédia sem fim, que gerou o "dunguismo"
A tragédia de 1950 foi facilmente explicada. A culpa foi toda do negro Barbosa, secundado pelo negro Bigode. Simples? Nem tanto. A culpa não foi por sair erradamente e permitir o chute de Ghiggia e nem por permitir o cruzamento de Ghiggia. Não, estes são erros técnicos, permitidos a brancos e negros. Principalmente quando o indutor ao erro era um craque de 20 anos, autor de uma Copa inesquecível. Não, a explicação passa por ser negro e ponto. E negro não pode assumir responsabilidades e blablabla… Enfim, todos os nossos jogadores morreram. Dos 220 mil presentes, poucos estão vivos. Passou e já houve tempo para revisão da explicação racista.
A derrota de 2014 não foi tragédia. Foi comédia. Desde a explicação do "apagão", desde a manutenção dos que falharam, desde a prisão de Marin, até a contratação de Dunga. O que Dunga aprendeu em cinco anos, após a Copa de 2010? Fez algum curso, montou algum time inesquecível, participou de palestras – como aprendiz e não como professor – deixou de ter dúvidas sobre a ditadura e o apartheid, se atualizou? Nada, está aí de volta.
O "dunguismo" é resultado do desastre de 1982, em Sarriá. Esta, sim, a tragédia presente, a tragédia que não cala, a tragédia que tem testemunhas e que hoje completa 33 anos. Aqueles 3 a 2 contra a Itália de Paolo Rossi não se esgotaram na desclassificação. O Brasil, campeão por antecipação, após os 2 a 1 sobre a União Soviética, os 4 a 1 na Escócia e os 4 a 0, era cantado como campeão, era louvado pelo futebol bonito, era igual ao time de 70.
Do outro lado, a Itália, classificada com três empates: 0 a 0 com a Polônia, 1 a 1 com Peru e 1 a 1 com Camarões. Perdemos por 3 a 2. E as explicações – ou tentativas de explicação – foram muitas.
Valdir Peres não era um bom goleiro
Cerezo deu um passe para um dos gols da Itália
Junior ficou parado e deu condição de jogo para Rossi marcar outro gol.
Serginho atrapalhou uma definição de Zico, que seria gol.
Careca, muito melhor que Serginho, estava machucado.
Telê mandou o time para a frente, quando o empate nos classificaria.
Paolo Rossi nunca mais jogou bola.
Os italianos rasgaram a camisa de Zico.
Quando há muita explicação, é porque não se digeriu a derrota. Ela continua viva. Alguém aí tem explicação para derrotas de 74, 78, 2010?
Telê teve nova chance e dirigiu a seleção em 1986. Ficou preso aos jogadores de 82, que já não estavam tão bem, e precisou fazer modificações às vésperas da Copa. Julio César ganhou o lugar de Oscar, Elzo foi titular e Zico, machucado, entrou pouco em campo. Ele e Sócrates erraram pênaltis.
Nova derrota de um time que estava maravilhando a Copa.
E veio, então, o título de 94. E o "dunguismo".
Os pragmáticos começaram a murmurar e, depois, encorajados, a gritar uma falsa dicotomia. "É melhor jogar feio e ganhar ou jogar bonito e perder". Dunga, volante de muita força, muita colocação, bom passe e chute forte de fora da área, passou a ser o arauto do futebol de resultados.
Delenda, Telê. Abaixo, Sócrates, Falcão, Cerezo e Zico. Fracassados. Perdedores.
Esta é a verdadeira tragédia. Não havia mais lugares para Cerezo e Falcão juntos. Telê, mesmo, seria bicampeão mundial pelo São Paulo com Cerezo e…Dinho, Pintado, Doriva….
Ganhamos em 94 e em 2002. Pouca gente sabe escalar o time. E tínhamos craques como Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho, Romário e Bebeto. Era a vitória do feio, mas cumpridor, do vamos fechar a cozinha, do sou campeão e daí, do winner x losers.
E a conta chegou. Telê perdeu duas. Dunga perdeu uma e, se não cair, vai perder outra. Mas o "dunguismo" está vivo. Optamos pelo caminho errado. Enquanto isso, o espanhol Guardiola mudou o futebol atual com um time que privilegiava o passe e os fundamentos. Com volantes que sabem jogar. Um futebol belo de se ver. Fundamentos que foram vistos pela seleção de 82.
Perdemos, assim.
Guardiola ganha, de forma parecida.
Ainda bem. Não é irônicoa? Passamos a jogar como a Itália. E a Espanha, tempos depois, passou a jogar como o Brasil.
Que o dunguismo tenha vida curta.
PS – Dunguismo é a simplificação do futebol. É acreditar na dicotomia futebol feio e vencedor x futebol bonito e perdedor. Uma falácia, mesmo porque o Brasil, quando venceu, era o melhor da Copa. Mesmo com um meio-campo formado por Dunga, Mauro Silva, Mazinho e Zinho.
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