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Menon

O dia em que o Rei Pelé falou comigo, reles mortal

Menon

23/10/2015 16h04

Ah, se Pelé tivesse nascido nos EUA!!! Hoje, ao completar 75 anos, seria homenageado em prosa, verso – poemas decassíbalos, modernistas, o que seja – os soldados teriam seu retrato nos carros de morte que dirigem, os aviões teriam sua cara de rei africano impressas nas asas.

Ah, se Pelé fosse inglês!!! Seria Sir, a Rainha o receberia para jantar, os Beatles e os Stones teriam ciúme dele, os partidos políticos se uniram para homenagea-lo e algum país da África, sob colonização inglesa teria uma cidade com o nome de Peleville ou coisa assim.

Ah, se Pelé tivesse nascido em Moscou!!!! Faria parte do Comitê Central, teria seu nome em uma nave espacial, teria uma estátua na Praça Vermelha, estaria ao lado dos grandes coo Marx e Lenin.

Ah, se Pelé fosse norte-americano, inglês, francês, cubano, boliviano, russo, soviético, italiano…..

Hoje, ao completar 75 anos, seria homenageado no Brasil muito mais do que é hoje… Afinal, sendo estrangeiro, sendo o melhor do mundo eterno, sendo o Rei do Futebol, sendo o Atleta do Século, não colocaria em risco a teoria de que somos o lixo do lixo. De que não há nada do que se orgulhar ao Sul do Equador.

A primeira vez que vi Pelé foi em 1993, e Belo Horizonte. O Brasil havia vencido a Venezuela pela eliminatória da Copa. Estava ao lado de Roberto Benevides, meu chefe. Terminado o trabalho, cansativo trabalho, fomos jantar. Em nossa mesa, estava o repórter Carlos Lima, da Rádio Globo.

Então, de uma hora para outra, sem aviso, aparece o Rei e sua troupe. Umas oito pessoas que ocupam a mesa ao lado. Carlos Lima virou-se para mim e Benevides e disse: "que situação chata, vou entrar ao vivo daqui a pouco e tenho de incomodar o Pelé. Vou perguntar se ele fala comigo e é logico que ele vai negar".

Não existia celular e nem Internet. Pelo menos conosco. Para falar com Lima, Pelé teria de deixar sua mesa, seu prato de comida, seus amigos e caminhar por uns 20 metros e ir até um telefone público na parede do restaurante. Daqueles que ligavam com ficha.

Lima foi até a mesa de Pelé. E se assustou com o Sim que recebeu. Depois do sim, a vergonha: "não é agora, é daqui a 30 minutos". Ok, falou Pelé.

O normal seria Carlos Lima ligar para a Rádio Globo e avisar do furo que havia conseguido. Aprontar um carnaval. Mas, com medo de que alguma coisa desse errado, nada falou.

Quando chegou a hora de entrar ao vivo, caminhou até Pelé o e levou ao telefone. Eu fui atrás.

– Como vocês se chamam mesmo, eu esqueci? (Mentira, ele não sabia quem a gente era)

– Carlos Lima

-Luis Augusto Símon

Lima discou, a central da Globo atendeu e ele entrou no ar. Osmar Santos – só ele – apresentava o programa.

– Osmar, tenho uma surpresa para você. Conversa com meu convidado aqui.

– Opa, garotinho, quem será o convidado do Lima?

– Osmar Santos, que prazer!!! Aqui é o Pelé. Não poderia recusar um pedido do meu amigo Carlos Lima para falar aqui com você..

E conversaram um tempão. Terminado o papo, eu, timidamente, falei

– Pele?

– Já sei, você também não quer perder a chance. Vamos lá

E conversei com o Rei por alguns minutos.

Hoje, tenho certeza que Pelé seria muito mais aceito se fosse branco. Seria também menos aceito se tivesse tomado atitudes contra o racismo em sua época.

Ele nunca se posicionou e até hoje nada fala. Se tivesse falado lá atrás, talvez nada acontecesse hoje.

Sim, pode ser. Acho que é.

Mas, e o que Pelé fez pela auto estima de cada negro brasileiro? A cada gol de Pelé, a cada drible de Pelé, a cada conquista de Pelé, a cada segundo de Pelá na Terra, toda afronta racial brasileira era diminuída. Por que o Rei era negro.

O homem Pelé, o homem Edson não é perfeito. Muito pelo contrário. Não reconheceu a filha etc etc etc.

Saudemos então, o Rei Pelé, primeiro e único, que me tratou no restaurante de Belo Horizonte como se eu fosse o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura e ele em coitadinho qualquer…

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.