Krüger, que ressuscitou para virar estátua. Personagem da semana
O estilo rápido e direto – escolhia um caminho em direção ao gol e dele não se desviava, valeu a Dirceu Krüger o apelido de Flecha Loira. O amor da torcida ele conseguiu após ressuscitar duas vezes. Por isso, agora se transforma em uma estátua de mais de 300 quilos. De bronze. E tudo foi assim por conta das armadilhas da história oral.
O livro mais vendido de todos os tempos é um compilado de relatos orais, passados de pais para filhos, por séculos e séculos. Um grande exemplo de literatura fantástica, com cobra falante, animais convivendo em perfeita harmonia em uma enorme arca, mulher que vira estátua de sal e, é lógico, uma virgem que se torna mãe.
A delegação portuguesa que aqui aportou em 1500 fez relatos escritos de suas primeiras impressões sobre o novo país descoberto. Relatos orais contam da chegada de uma outra delegação portuguesa à Curitiba em 1969.
O comandante logo se avistou com Evangelino Costa Neves, presidente do Coritiba. E aí, ouviu-se algo parecido com:
Viemos aqui para contratar um jogador de vocês
Qual deles?
Um loirinho bom de bola que vocês tem.
Qual loirinho?
Um polaco
Qual polaco?
Um que começa com a letra K.
E foi assim que o Vasco levou Kosilek e deixou Krüger.
Não se sabe o que Kosilek seria para o Coritiba se tivesse ficado.
Não se sabe o que Krüger seria para o Vasco se tivesse ido.
O que se sabe é o que Kosilek está na gloriosa história vascaína como um
discretíssimo coadjuvante.
O que se sabe, com pétrea certeza é no que se transformou Dirceu Krüger para o
Coritiba.
O mais amado jogador da história do clube. O flecha loira. O homem-estátua.
Estátua que será inaugurada no dia 24, amanhã, quando Krüger completa 50 anos de bons trabalhos prestados como jogador, auxiliar técnico, técnico e dirigente ao Coritiba.
Uma estátua de bronze, com 1,72m e 320 quilos, construída pelo escultor carioca Edgar Duvivier, que fez obras do mesmo tipo imortalizando Garrincha, Nílton Santos e Jairzinho. Ele é pai do ator Gregório Duvivier.
E como não amar um jogador que morreu pelo clube? Literalmente. Ou quase isso, por duas vezes. No dia 11/4/70, Dirceu Krüger completou 25 anos. Estava em campo e dali, foi para o hospital. A causa foi um choque duríssimo com o goleiro Leopoldo, do Água Branca.
Houve rompimento da alça intestinal. Krüger não morreu em campo porque instintivamente comprimiu o ferimento. No hospital, ficou por 70 dias, muitos deles, inconsciente. A torcida do Coxa fez romarias para visitar e rezar por seu craque. Mas não só ela. Lauro Rego Barros, presidente do Furacão, grande rival, mandou rezar uma missa por Krüger.
Por duas vezes, ele recebeu extrema unção. E resistiu. Saiu do hospital (foto cedida pelo Arquivo GRPcom), recuperou-se e em novembro, em uma excursão à Romênia, voltou a marcar. Mas foi um retorno efêmero.
Precisava jogar com uma cinta, que protegia o local acidentado. Em 1975, acidentalmente, um adversário bateu a mão no local e ele sentiu as mesmas dores de cinco anos passados. Os remédios que tomava, prejudicavam a visão. Percebeu, então, que, continuar em campo, seria uma espécie de desafio constante à morte. Em fevereiro de 1976, pendurou as chuteiras após uma vitória por 1 a 0. Em um Atletiba. Sem um jogo de despedida. Apenas uma volta olímpica
Tinha 30 anos e havia marcado 58 gols em 252 jogos. Deixou a carreira sem nunca ter sido expulso. Imediatamente passou a ser auxiliar de Jorge Vieira. Dirigiu o time por 201 partidas e outras 185 como interino. Estava ao lado de Enio Andrade, como auxiliar técnico no título brasileiro de 1985.
Foi ele que lançou Alex, o mais técnico jogador nascido no Coritiba. E é ele quem dá o nome ao alojamento dos garotos da base. É o diretor dessa área.
Merece ou não uma estátua. E esta foi construída com suor e sangue da torcida, através de uma ação de crowdfunding – vaquinha virtual – lançada em 19 de novembro do ano passado pelo torcedor Gabriel Zornig, conselheiro do clube.
Verdade seja dita, a torcida do Coxa não aderiu com o entusiasmo que Kruger
merecia. Faltando 20 dias para o final do processo de arrecadação, apenas 23%
havia sido arrecadado. Somente R$ 33.284, 00 dos R$ 140 mil previstos.
Foi então que Alceni Guerra, dirigente do Coxa e ex-ministro do Presidente Collor disse que bancaria o final do projeto.
A torcida, desafiada, abriu as burras e, em dez dias choveu dinheiro sobre a vaquinha. A meta dos os R$ 140 mil foi batida. Tinha de ser assim. Um ídolo popular tem de ser homenageado por seu povo.
"Conseguimos R$ 190 mil, que servirá para pagar a estátua e para construirmos
uma praça no estádio para receber a estátua. Será uma revitalização do espaço
público", diz Zornig.
O projeto ganhou página no facebook – Estátua de Krüger – lançou camisa própria para presentear apoiadores e ainda fez um DVD com extensa entrevista com o ídolo, que viveu, morreu e reviveu Coxa.
Só deixou o verde e branco para adotar o bronze e ser imortalizado por ele.
Um ídolo popular, homenageado por seu povo.
Talvez seja a torcida e não Krüger o personagem da semana.
Nota – O texto contou com ajuda inestimável de Marcos Xavier
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