Alma charrua. Personagem da semana
O personagem da semana não entrou em campo. Pairou sobre ele. Sobre eles. O Allianz Park e o Monumental de Nunez. Esteve ali, como um espírito que insiste em não aceitar o chamado. Um fantasma ultrapassado neste mundo de futebol moderno em que a ditadura da posse de bola se impôs.
Um mundo em que se exige zagueiros com bom toque de bola, que, além do desarme tenham a capacidade de iniciar jogadas de ataque. Em que a frase chuta pro mato que o jogo é de campeonato é tratada como ofensa maior à sua senhoria, o modo único e belo de se jogar futebol.
Uma verdade que vale para o mundo ideal, onde se tem muito dinheiro. Bem, nem é assim em todo lugar. Lembremos que o Real Madrid tem Pepe, um grande zagueiro ao estilo antigo.
O que é o estilo antigo? Zagueiro-zagueiro. Tem impulsão para cabecear, tem velocidade para a cobertura e tem força para o corpo a corpo. E faz falta, sem medo do amanhã. Quem tiver tudo isso, terá o amor de seu torcedor. E, se tiver passe ruim, o desprezo dos estetas do futebol moderno.
Mauricio Victorino, 33 anos, é um zagueiro à moda antiga. Sebastian Eguren, 35 anos, nem zagueiro é. Volante improvisado na zaga, formou dupla com Victorino na vitória do Nacional sobre o Palmeiras. Dupla improvisada, pois os titulares Diego Polenta e Sebastian Gorga, uma década mais novos, não puderam entrar em campo.
Os velhinhos deram conta do recado e levaram três pontos para Montevidéu, mesmo em inferioridade numérica. É lógico que a vitória não foi apenas deles. Todo o time portou-se com a velha garra celeste. Nunca acreditaram em bola perdida, não economizaram suor, não perderam dividida. Correram como se fosse uma final. Correram como se do jogo dependesse a anexação do Uruguai ao Rio Grande do Sul.
No dia seguinte, Diego Lugano e Maicon, do São Paulo, tiveram postura parecida. O São Paulo, que havia perdido do São Bernardo em casa, não podia perder do River Plate em Buenos Aires.
E os dois, com o mesmo repertório old fashion de Victorino e Eguren, jogaram como se ouvissem o conselho de Elias Figueroa, o grande chileno. "A área é minha casa e na minha casa entra quem eu quero".
Alma charrua. Comprometimento com a torcida, com a instituição, com a profissão. Alma celeste, superavaliada pela história. O Uruguai, quando foi campeão, tinha grandes times. A raça celeste era o complemento, faz parte do DNA, mas o futebol era jogado rente ao chão.
De 24, 28 e 30 não precisamos falar. Era o melhor time, seguido pela Argentina, derrotada em duas finais. Em 50, era o melhor time? Não sei. Mas era um grande time. Tinha Obdulio, o Mito, o arquétipo do jogador raçudo, mas tinha Schiaffino, Ghiggia, Gambeta e outros.
O Brasil era melhor, era campeão, era tudo. Perdemos e havia que se conseguir uma explicação. Qual foi ela? Culpamos os negros Barbosa e Bigode. E criamos o super-homem Varela.
A alma, a garra, a raça não ganham campeonatos. São importantes para ganhar jogos. Mesmo em um futebol moderno, que só aceita um estilo de jogo. A alma resiste. Para o bem da emoção, para gáudio de quem gosta de ver superação e comprometimento. Porque o futebol é assim. Ao contrário dos outros esportes, ele retrata a vida. E na vida, e possível vencer, mesmo não sendo o que os sábios dizem, mesmo sem seguir os manuais.
Nem sempre ganha o melhor. Quando ganham, é porque o fantasma charrua deu uma passada no campo.
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