Aguilera, o paraguaio que (quase) parou as feras de Saldanha no Maracanã
O texto abaixo é do jornalista e escritor Igor Ramos, autor de livros que contam a história do futebol de Ribeirão Preto. Um presente que ele nos deu.
Estádio do Maracanã, dia 31 de agosto de 1969. O Brasil parou para ver a seleção encarar a partida mais difícil em toda a fase eliminatória para a Copa do Mundo de 70, que seria realizada no México. O adversário era o Paraguai, um osso duro de roer e que venderia muito caro a segunda derrota para os brasileiros (no primeiro turno o Brasil havia vencido por 3 a 0, no Defensores Del Chaco, em meio a uma verdadeira guerra).
No duelo chave para a classificação brasileira, no Rio de Janeiro, os paraguaios entraram em campo com dois pontos a menos que o Brasil e fizeram o time de João Saldanha sofrer como nunca para conseguir uma vitória suada e memorável, por 1 a 0, com gol de Pelé.
Placar que garantiu a vaga da seleção no Mundial e abriu o caminho para o Tri. Um triunfo, que certamente começou a ser forjado naquelas eliminatórias, e especialmente naquele duelo com o Paraguai.
E ninguém simbolizou tão bem esse drama para os brasileiros, do que um jovem de apenas 20 anos que defendia o gol paraguaio como uma verdadeira muralha. Raimundo Aguilera, titular do Guarani desde os 17, e tido como uma das maiores revelações do futebol daquele país, fez história naquela tarde, apesar do placar final contrário a sua seleção.
Em um dia em que mais de 183 mil pessoas foram ao Maracanã, Aguilera fez a torcida brasileira sofrer com uma atuação de gala.
"Saí cansado de campo, como nunca. De tanto saltar, levantar, defender. Foi difícil. Nunca vimos tanta gente em um estádio. Eu não conseguia nem ouvir o apito do juiz, de tanta gente que tinha. Nosso time lutou bravamente, mas do outro lado tinha uma máquina", conta Aguilera
O camisa 1, vestido todo de preto, assombrou a nossa seleção por quase 90 minutos, frustrando as investidas de Pelé, Gérson, Tostão e companhia. Pegou o que foi possível, em um bombardeio brasileiro que durou 45 minutos do primeiro tempo e outros 23 da etapa final.
Até que em uma arrancada de Edu pela ponta esquerda, o chute cruzado rasteiro foi inapelável e Aguilera rebateu nos pés de Pelé, que na corrida, estufou as redes paraguaias levando ao delírio uma multidão aflita. Um gol comemorado como o de um título (ou um prenúncio do que viria meses depois), contra o mais duro adversário daquelas Eliminatória Sul-Americanas.
"Perdemos para uma equipe espetacular. Indescritível e que depois seria campeã do mundo. Saímos de cabeça erguida naquele dia", lembra.
O homem que já foi considerado o melhor goleiro das Américas e que por alguns minutos quase conseguiu parar a maior seleção de todos os tempos, hoje leva uma vida tranquila, longe do futebol e dos holofotes, na capital Assunção.
Morando na mesma casa onde viveu toda sua infância, no bairro de Bernardino Caballeron (a 20 minutos do centro da capital) Aguilera me recebeu para uma das suas raras entrevistas.
Ao abrir o portão de sua casa, um sorriso no rosto e a típica receptividade dos paraguaios.
"Esse é o homem?", bincou, apontou para mim, perguntando ao filho Toti, que me levou ao aguardado encontro, combinado meses antes. Após um abraço, o anfitrião não se conteve e foi logo falando do país onde construiu boa parte da sua vitoriosa carreira. "Que saudade do Brasil. Poxa, quanto tempo. Ainda quero voltar", emendou, enquanto caminhávamos até a porta de entrada da sala, observados por uma dezena de garotos que jogavam bola no portão.
"Meu pai é muito querido aqui nesse bairro. Nossa vida foi toda construída aqui. Meu pai faz as caminhadas diárias dele por aqui e todo mundo o reconhece", explicou, orgulhoso, o filho Toti.
Aguilera começou a jogar em um campinho de terra, que hoje fica a 500 metros do endereço onde mora com as irmãs. Com 16 anos ingressou no Guarani (cujo estádio Rogelio Silvino Livieres também fica cravado no coração do bairro). E com 17 anos, já era titular de um times mais importantes do Paraguai, esboçando uma carreira de glórias. Titular absoluto, permaneceu no El Cacique até 1971, quando então transferiu-se para o futebol brasileiro. Jogou na Portuguesa (pela qual, em 1973 se "vingaria" de Pelé, defendendo um pênalti no Pacaembu) e em seguida transferiu-se para o Valencia-ESP. Pouco tempo depois retornou ao Brasil, onde atuou pelo Botafogo (SP) de 1976 a 1977, ao lado de Sócrates e Zé Mário Baroni, sagrando-se campeão paulista do primeiro turno (Taça Cidade de SP) em 1977, em um período no qual já era dado como goleiro em fim de carreira devido a uma lesão séria no joelho esquerdo, só curada após a intervenção do médico argentino, Fernando Snor. "Felizmente, o Botafogo estava montando um time forte e acreditou em mim e pude ter grandes momentos nesse clube tão querido. Estreei pegando pênalti contra o Cruzeiro, no Mineirão. No ano seguinte fui campeão", relembra, entusiasmado. A lesão no joelho limitava seu futebol e problemas pessoais ajudaram a antecipar a sua volta ao Paraguai. Em 1980, já no fim da carreira, defendeu o Atlético Colegiales.
Pela seleção nacional debutou em 1967, em jogo contra os argentinos. Depois disso tornou-se titular absoluto e ídolo nacional. Ou herói.
E não é exagero trata-lo assim, afinal o próprio governo reconhece a sua importância como personagem nacional concedendo a ele, e outros grandes nomes do país uma espécie de pensão vitalícia, como reconhecimento pelos serviços prestados a nação.
"Aqui temos isso por parte do governo", resume, sem esconder um pouco de decepção. "Mesmo assim, acho que os paraguaios não têm tanta memória como vocês brasileiros pelos ex-jogadores", emendou.
Raimundo Aguilera ficou conhecido como "O arqueiro da Américas" após grandes atuações pelo Paraguai. Viveu o ápice no final dos anos 60, com dois longos períodos de invencibilidade. O maior deles durou 1019 minutos, em 1967 (11 partidas e 32 minutos).
Com forte identificação com o Brasil, Aguilera vê com tristeza o futebol atual, principalmente da nossa seleção.
"Quem viu aquele time de 69, 70, contra quem jogamos, hoje não reconhece o futebol brasileiro. Confesso que perdi o encanto até em assistir futebol. Tudo mudou, mas não foi só o Brasil", diz o ex-goleiro.
Acusação de sequestro impede retorno ao Brasil
A relação de Aguilera com o Brasil não se limitou as quatro linhas e aos dois clubes pelos quais jogou em São Paulo. Por aqui tentou construir sua família, mas um desentendimento com a ex-companheira antecipou sua volta a Assunção em 1978. Porém nesse retorno, Aguilera tinha nos braços o filho Toti, hoje com 40 anos.
Tal atitude teve um preço na vida de Aguilera. A mãe de seu filho o acusou de sequestro e até hoje ele é impedido de voltar ao Brasil, devido a queixa prestada pela ex-companheira.
" Uma pena que a justiça brasileira veja dessa forma. Até hoje ele não pode pisar em um aeroporto", lamenta a irmã.
Já são quase 40 anos. Saudade que um dia pretende acabar. Mesmo a contra gosto do filho, seu maior fã. " Ele não quer que eu passe por nada de ruim nessa vida. Por isso não me deixa sair. Mas quem sabe um dia eu volte a rever meus amigos no Brasil".
FICHA DO JOGO
Local – Maracanã, 31 agosto 1969
(Eliminatória da Copa de 1970)
Público – 183.341 pagantes
Árbitro – Ramon Barreto (Uruguai)
Gol – Pelé, 23 segundo tempo
Brasil – Felix, Carlos Alberto, Djalma dias, Joel Camargo e Rildo, Piazza e Gérson, Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu
Técnico – João Saldanha
Paraguai – Raimundo Aguilera, Enciso, Sérgio Rojas, Vicente Bobadilla e Mendoza, Alcides Sosa e Luis Ivaldi, Arsenio Valdez) Felipe Ocampo, Benicio Ferreira e Lorenzo Jimenez
Técnico – José Maria Rodrigues
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