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Menon

Dez anos sem Telê, genial rabugento

Menon

21/04/2016 06h01

Há, dez anos, morria Telê Santana, o caso mais raro de amor do brasileiro ao seu estilo de jogo.tele Telê perdeu a Copa de 82. Telê perdeu a Copa de 86. E é idolatrado. Um reconhecimento à sua fidelidade ao "jogo bonito", mas também um bálsamo para quem não acredita que "o que importa é ganhar", que "a vida está dividida entre vencedores e perdedores" e outras afirmativas redutoras.

O culto a Telê mostra que somos um país formados – também – por pessoas que não acreditam que os fins justificam os meios. Bom pensar nisso quando nos lembramos das trevas golpistas que tomam conta da Pátria.

Convivi muito tempo com Telê, quando ele era treinador do São Paulo e eu, setorista do clube, pelo Diário Popular e pela Gazeta Esportiva.

Tenho muitas saudades da convivência. Não tomem essa confissão como cabotinismo, como uma tentativa de aproximação, como se eu quisesse forçar uma aproximação, dizer que fui amigo dele. Não fui, mas estar ao seu lado, ouvir suas historias e treinamentos foi muito importante na minha carreira e na minha formação.

Telê nunca foi um estrategista. Nunca usou termos difíceis, nunca foi de surpreender em escalação ou tática. Ele treinava os jogadores exaustivamente e o foco era todo em fundamentos. Tinha de saber passar, desarmar, lançar. E ter educação esportiva. Violência era algo abominável para ele.

A conhecida história de Cafu é verdadeira. Eu vi. Ele ia ao fundo e cruzava errado. Ou, melhor dizendo, cruzada de uma maneira diferente do que Telê queria. E Telê reclamava alto e em bom som. Nada de politicamente correto. O velho era chato demais. Uma, duas, três vezes…E Cafu se revoltou. "Quero ver o senhor fazer". Tele foi e fez. Uma, duas, três vezes…

Havia uma cesto pendurado nas grades do CT, perto do banco de reservas. Era um cesto onde se guardavam as bolas, antes de serem levadas para o almoxarifado. Telê ajeitava as bolas e ia chutando, uma, duas, três vezes….E o cesto ficava cheio em pouco tempo.

Telê ficava irritadíssimo quando jornalista entrava em campo. Por mais incrível que possa parecer, era algo comum. Ele nos tocava, como se fossemos galinhas O campo é para os jogadores, a grama tem de ser boa e vocês não sabem nem tocar na bola.

Um dia, começamos uma resenha e ele deixou que entrasse em campo. E resolveu me ensinar como bater uma falta. Me mandou ficar um metro e meio longe da bola, fazer força com o pé esquerdo no chão, caminhar e chutar com o direito. Meninos, foi pura sorte, mas a bola passou pela barreira de madeira e….não, não foi gol. Mas que passou, passou.

Telê saía de si quando o adversário estava de costas, com a bola dominada e seu volante fazia falta pro trás. Dizia que o zagueiro tinha obrigação de saber para que lado o atacante faria o giro e então, travar. Com a falta feita, o time rival saía de uma situação ruim e ficava de frente para o gol, com toda a chance de uma jogada ensaiada ou de fazer o gol na cobrança de faltas.

Reclamava das faltas, mas exigia um bom combate dos volantes. Em 94, um jogador que estava emprestado ao Anapolina e depois Goiânia, estava de volta. Era Doriva, que fazia bons treinos. Perguntei o que Telê estava achando. "Ele é bom, tem futuro, mas não é igual ao Pintado. Olha ali, viu como demorou para voltar? Se fosse o Pintado, já estava aqui…"

Marcos Adriano estava jogando bem. E Telê o tirou do time para a entrada de André Luiz, lateral esquerdo com 20 anos. Por que, Telê? "Não percebeu, não? O Marcos é destro, para fazer um cruzamento tem de se entortar todo. Com o André, que é canhoto, não. Fica tudo muito mais natural".

Aílton, meia direita, que veio do Galo, havia sido treinado por Telê. Era um contador de histórias espetacular. Havia jogado com Mozer, em Portugal, e ria lembrando como o zagueiro batia nos treinos. Aílton foi relacionado pela primeira vez no Galo quando tinha 17 anos. Telê viu o treino e já levou para o time titular. O mesmo que fez com Denílson, no São Paulo.

Quando chegou em casa, Aílton recebeu o aviso que estava concentrado. Era Telê, que exigiu sua presença no mínimo de tempo possível. O garoto foi e nem almoçou. Entrou no ônibus e seguiu com a delegação. Não me lembro a cidade.

Antes de ira para o campo, foi assaltar a geladeira. Deixou cair uma garrafa de coca cola  e fez um corte muito grande no pé. Começou a chorar e pediu para não ir ao jogo. Telê deu uma bronca, mandou fazer um curativo e lá foi Aílton para o banco de reservas. As lágrimas corriam. No final do jogo, empate duro, Telê mandou que entrasse. Entrou, mancando. E mancando, fez o gol da vitória. Correu para comemorar no banco e…levou bronca enorme.

PLAYBOYBRAZIL199301Era muito conservador. Chorou por isso. Um dia, apareceu no CT uma sobrinha, que não via há muito. Tirou fotos com Telê, que estava muito feliz. Apresentava a moça para os jornalistas, falava do irmão – Hervê ou Cordovê – contou casos de infância.

Dias depois, Telê estava arrasado. A sobrinha havia posado para a Playboy. As fotos no CT eram aquelas de apoio para as principais, sem roupa. Afinal, era preciso provar que era a "sobrinha de Telê". Telê xingou muito e, depois, com os olhos marejados, pediu desculpas a nós. Muito triste. Com certeza, imaginava, que todos iríamos comprar a revista.

Era capaz de gestos surpreendentes. Um dia, foi ao CT do Palmeiras para cumprimentar Luxemburgo, com quem estava brigado. A Federação Paulista marcava jogos de São Paulo x Santos na Vila. Palmeiras e Corinthians, quando jogavam contra o Santos, tinham o direito de faze-lo no Pacaembu, campo neutro. Telê achava que isso era preconceito com o São Paulo e escalava o time reserva na Vila.

Há uma lei na política. "Não existe vácuo de poder", dizia Ulysses Guimarães. A série imensa Sergio-Vásquez2de títulos fez com que Telê passasse a mandar muito. Muito mais do que devia. Passou a atuar como um diretor de futebol. Não queria jogadores caros. Vetou o zagueiro Sergio Vasquez, titular da seleção argentina campeã da Copa América de 93 e trouxe Pedro Luis, da Ponte. Não deu certo. Ficava irritado, em 94, com os elogios a Murici, que havia vencido a Conmebol, com o famoso Expressinho que tinha jovens jogadores como Ceni, Denílson e Caio. Dizia que a ideia tinha sido dele e que Murici só fazia o que ele mandava.

Em 2004, fui até Belo Horizonte entrevista-lo para o Jornal da Tarde. A isquemia cerebral sofrida em 96 o deixava com uma voz pastosa. Já havia perdido parte da perna esquerda. Estava em frente à televisão, com o olhar perdido.

Tudo bem, seu Telê?

Você por aqui?

Sim. Vim fazer uma matéria. Todo mundo tem saudades do senhor?

De mim? Imagina, eu sou só um velho chato.

Era sim.

Era muito mais do que isso.

Telê é o símbolo do futebol que amamos. Do futebol que fez o Brasil ser respeitado mundialmente.

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.