Jaílson, a Pantera Negra. Ou, a matéria que não pude fazer
Há muitas vertentes no jornalismo esportivo. Uma das mais importantes fala de táticas e números. Extremos, pirâmides invertidas, diamante, losango, quadrado, transição, balanceamento, jogo apoiado… Ela tenta explicar, com lógica, a louca paixão chamada futebol.
Há uma outra, que não busca explicações para a paixão. E nem lógica. Ao contrário, ela se mantém contando historias ilógicas do futebol. Histórias que não explicam nada, porque elas próprias não tem explicação. Pessoas que alcançam o sucesso quando a lógica lhes regalava apenas o esquecimento histórico.
Se eu fosse adepto do american way of life, que divide a sociedade entre winners e losers, não teria dúvida em dizer que os losers são donos das melhores histórias. Principalmente quando, subvertendo toda a lógica, são winners. Underdogs como Cinderelo Man.
Eu gosto da segunda vertente. E faço muito bem. Sou do tipo que prefere falar com a sogra do Murici ou a mãe do Gabriel Jesus do que explicar porque o que o professor sonhou não se concretizou em campo. Mesmo porque muitas vezes não sabemos o que ele pensou.
Bem, eu queria fazer uma matéria bonita com Jaílson. Goleiro do Palmeiras. "Abençoado", segundo Cuca.
Ele tem dez jogos como titular. Veio da reserva do Ceará e era a terceira opção do Palmeiras. Fernando Prass se machucou, Wagner não foi bem e ele assumiu a bronca. O que eu gostaria de abordar na matéria.
1) Como é atingir o sucesso aos 35 anos, defendendo a meta de um gigante futebolístico, depois de passar por equipes bem menores?
2) Ele acreditava que isso poderia acontecer? Quem mais acreditava? Estava acomodado no Ceará?
3) Como foi chegar em casa e dizer para a mulher e os filhos "agora eu sou goleiro do Palmeiras"? Houve choro? Houve comemoração? Qual comemoração? Foi ao cinema? Foi tomar sorvete? Foi ao motel? Foi à Igreja agradecer?
4) O Palmeiras é considerado uma grande escola de goleiros, principalmente pelo pioneiro Waldir Joaquim de Moraes. E ele, quem foram seus treinadores? Com certeza, heróis anônimos do futebol. Pensei até em reunir um deles, ou algum deles para uma foto. Ou, então, falar com vários deles.
5) Qual era seu herói de infância? Qual goleiro o inspirava?
6) Como foi a infância? Foi para o gol porque era ruim na linha? Ou sempre gostou?
7) Como era a vida em família? Pobre, rico, classe média? Pai e mãe incentivaram? Como comprou a primeira luva?
8) A raça negra produz grandes atletas em esportes em que a elasticidade predomina: salto em distância, salto triplo, velocidade. Ele tem algum ídolo nessa área? E por que, até pouco tempo, mesmo sabendo-se destas qualidades, havia poucos goleiros negros.
9) Pensei até em lhe dar o apelido de Pantera Negra. Ele aceitaria? Já teve algum apelido antes.
10) Aos 35 anos, já deve ter filho ou filha adolescente. Como é a educação, considerando-se as ausências prolongadas obrigatórias por causa da profissão?
Enfim, seria uma matéria muito boa. Vocês conheceriam um pouco mais de um grande goleiro. E eu talvez até ganhasse um aumento.
Liguei hoje de manhã para pedir 30 minutos com Jaílson. Recebi a informação que o jogador será blindado essa semana. Não contestei. Respeito o trabalho dos outros, principalmente de amigos queridos como um dos assessores do Palmeiras. Ele sabe o que faz.
Só fiquei triste. Talvez o espaço para matérias assim esteja diminuindo. Está na hora de o Velho Homem de Imprensa aqui, um legítimo dinossauro, se matricular na Universidade do Futebol. Me aguardem. Assim que aprender o que é jogo apoiado, vou me fartar.
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