Fiel ficou de pé e aplaudiu a bicicleta de Silva para Nedina
Aquele domingão, 13 de maio de 1989, estava programado para ser perfeito. E terminou superando tudo o que a família Silva poderia imaginar.
Nedina, a matriarca, havia feito a feijoada de véspera. Seria servida à noite; antes a família foi ao Pacaembu ver Alexandre enfrentar o Corinthians. Quem sabe o Juventus, o Moleque Travesso, não aprontaria alguma? E ele havia prometido um gol para a mãe.
Entregou "o" gol. Dona Nedina se contentaria com uma bijuteria e recebeu um diamante de muitos quilates.
"Tinha um escanteio contra a gente. A zaga rebateu e nós saímos em contra-ataque. Toquei par o Marquinhos, ele abriu para o Claudinho na esquerda e ele cruzou. E eu fiz, de bicicleta. Tinha muita elasticidade porque fazia capoeira. Nos treinos do Juventus, eu acertava várias".
O que veio depois foi ainda melhor e mais marcante. Alexandre, o Silva, correu até a grade do Pacaembu. Toda a família desceu. Deu um beijo na mãe e, então, a Fiel se levantou. E aplaudiu de pé.
"Voltei para o campo chorando. Era muita emoção para um garoto de 17 anos", conta Silva, na sala de seu apartamento.
Fim de jogo, 1 a 1, foi abraçado por Cláudio Adão. "Ele disse que eu tinha futuro no futebol, que eu iria longe".
E Silva chorou de novo. "Sabe do que eu me lembro? Do cheiro do Cláudio Adão. Um jogo pegado daquele e o negão cheirava gostoso. Era perfume francês, tenho certeza. Ele era estiloso demais".
O fim do jogo foi o início das entrevistas. Muitas. Silva foi o destaque em todos os jornais, com perfis escritos por Wanderley Nogueira e Dalmo Pessoa.
As portas se abriram para Silva. "E o Juventus fechou todas", diz, sem mágoa, mas condenando a realidade antiga, antes da Lei Pelé.
"O Corinthians me quis, o Santos me quis, o Flamengo procurou, mas o Ferreira Pinto, presidente do Juventus era uma casquinha de ferida. Não me vendeu de jeito nenhum".
Não vendeu e pronto. Assim funcionava o futebol. "Ele me deu um aumento pequeno. Depois, fez uma oferta para renovar. Se eu não quisesse, podia ficar em casa. Ele não se importava";
O clube tinha o jogador e estava definida a questão. Praticamente um escravo. "Joguei em alto nível por mais dois anos e depois desanimei. Se eu jogasse bem ou mal, iria ficar no Juventus. Então, deixei de treinar".
Em 97, deixou o Juventus. E aquele gol de bicicleta o levou ao Chapecoense, Ferroviária, Nacional Paraguaçuense, Novorizontino e ao final de carreira no Atlético do Vale, em Santa Catarina.
Antes, a Polônia. "Joguei no Leguis de Varsóvia. Fui bem, mas fora do campo fui melhor ainda. As loiras gostam de um neguinho."
Em 2004, encerrou a carreira e foi dar aulas de futebol na ADPM – Associação Desportiva Polícia Militar – qualificado por cursos que fez na Federação Paulista de Futebol e pelo diploma de Marketing Esportivo, na Unisa.
E continua jogando bola. "Não engordei um quilo, estou com o mesmo corpo", gaba-se. Sábado e domingo, ele se reveza entre o Cotiano, o Sem Querer e o Vumo ("não me pergunta o que significa") e quarta-feira é dia de defender o River Plate no campeonato interno do São Paulo.
Silva é fã de tatuagens. Tem uma homenageando o Juventus, uma outra para Michael Jordan, seu ídolo – no livro dele, conta que depois do treino, ficava arremessando de olhos vendados – e outra para o filho, Murilo. "Meu rei".
A previsão de Cláudio Adão não se confirmou. Silva não foi longe. Mas não se arrepende de nada do que fez.
"Não sou milionário, mas tenho uma casa, um apartamento e um terreno. Não fui para um time grande, mas tenho fotos e recordações para mostrar para meu filho de quatro anos. Ele sempre vai saber quem o pai dele foi. Um milionário da alegria, o cara que meteu uma bicicleta no Timao e ainda foi aplaudido de pé. O que mais eu poderia desejar"?
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