Bacharéis vão matar o futebol brasileiro
Há jogos que transcendem os 90 minutos. Saem do campo, vão para a televisão, espraiam-se pelos botecos e são lembrados eternamente, nas discussões familiares, nos almoços de Natal, na memória afetiva do brasileiro e na grande biblioteca oral do futebol brasileiro. São jogos que aceleram casamentos e definem divórcios. Muitos cunhados foram declarados malquistos no lar por não se cansarem de falar sobre gols que foram festa para uns e desgraça para outros.
O gol do tri do Pet, o gol redentor de Basílio, o gol mundial de Raí, a obra-prima de Alex…
Para mim, estes são os meios justificáveis – a arte, o amor, a raça, o inesperado – para que um jogo ultrapasse os 90 minutos. O que se construiu no campo deve ser referendado. Sou contra visceralmente qualquer mudança. Não acho justo o que aconteceu em 95, por exemplo. Não aceito jogo anulado por haver um jogador atuando de forma irregular. Não concordo com punição por agressão que o juiz não viu e que foi acusada depois, por meio eletrônico. A arbitragem não é eletrônica. É feita por um ser humano que ganha muito bem pelo seu trabalho. R$ 3 mil ou mais por um dia de trabalho. Se o árbitro errou, tem de ser punido. E toca o barco.
Faço uma ressalva. Os recursos eletrônicos poderiam ser admitidos para definir jogadas complicadas, como a bola que bateu na linha, o impedimento, o pênalti. Poucas vezes em um jogo. E de modo que o mesmo tipo de recurso existisse em todos os jogos de todos os campeonatos.
Seria uma maneira de evitar o poder dos bacharéis. Com TJD e afins. Vejam o circo em que está se transformando o final do Brasileiro. O Fluminense, fiel à sua essência, buscou novamente apoio nos tribunais para mudar o resultado de um jogo. Mórbida história. No Flu, um advogado tem status maior eu um Assis, um Washington, Rivellino ou Marcos Carneiro de Mendonça e tantos outros craques.
E o que os advogados argumentam?
O gol de Henrique não foi impedido? Não, eles eles reconhecem que foi. Mas a justiça se fez de maneira torta. Avisaram que estava errado. Não se pode avisar. Não se pode ter ajuda externa.
Mas o que o Flamengo tem a ver com isso? Foi o Flamengo que pediu, que levou a televisão?
A culpa foi de Sandro Meira Ricci. Ele precisa ser punido. Ninguém mais.
Não é assim. E o futebol passa por um processo de judicialização. Ligo a televisão e, em vez de ouvir os acurados comentários do Lédio Carmona sobre tática e técnica, vejo-o entrevistando um advogado que terá em suas mãos o processo que definirá se haverá um novo jogo ou não entre Fluminense e Flamengo.
Ah, e como essa gente adora televisão, rádio, jornal. Colocam o melhor terno, a gravata mais sedosa e desfilam seu cabedal de conhecimentos e suas datas vênias. Nunca chutaram uma bola e são os donos da bola.
A CBF, os advogados e nossos cartolas fazem de tudo para desprestigiar o campeonato brasileiro. Nosso maior "produto" para usar um termo tão em moda.
O futebol resiste, apesar deles.
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