Topo

Menon

Futebol é mais que futebol, gritam Totti, Zabaleta e Rafinha

Menon

29/05/2017 12h57

Futebol é muito mais que futebol. É um tear de sentimentos, um acúmulo catártico de emoções que transcende táticas e técnicas. Gols, dribles, defesas, carrinhos são apenas instrumentos para que a paixão floresça, são catalizadores que fazem o amor explodir em demonstrações que eternizam pessoas comuns, que se tornam incomuns graças a ele, o futebol.

A semana foi pródiga para quem acredita que o futebol possa ser o sal da vida. Francesssscooo, gritou o narrador. Toootttiiii, responderam milhares de vozes presentes no estádio Olímpico de Roma. Entre elas, o apaixonado Gian Oddi. E o som tomou conta da cidade, sendo encorpado por bêbados nos bares, por madames nos salões de beleza, por amantes que deram uma pausa no amor, nas catacumbas onde repousam os ossos dos gladiadores e, mentalmente, sem som, pelos torcedores da Lazio. A Roma deu adeus ao seu capitão. A cidade acolheu seu cidadão mais ilustre. E o estádio espera por Totti brevemente, em algum camarote, olhando de cima a frustrada tentativa de alguém em substitui-lo.

A carta de despedida do capitão fala no tempo. Maldito tempo, que não passava em 17 de junho de 2001, quando a Roma foi campeã. Maldito tempo, que passa tão rápido agora.

Hoje, o tempo veio me dar um tapinha no ombro e dizer: temos que crescer. Amanhã você será adulto. Tirar esses shorts e chuteiras porque, a partir de hoje, você é um homem. Você não sentirá o cheiro da grama, o sol na cara quando pressiona o adversário, a adrenalina te consumindo.

Ele termina falando que tem medo da nova empreitada e pede ajuda aos torcedores.

Não é fácil apagar a luz. Tenho medo. Não é o mesmo medo que você sente em frente a um gol, prestes a cobrar um pênalti. Dessa vez, não consigo ver o que o futuro me reserva atrás das redes. Me permitam sentir medo.

Mas o jogador cresce mesmo? Deixa o futebol de lado? Ou é eternamente um garoto brincando com uma bola? Ou sentindo vontade de brincar com uma bola, eterna cúmplice na atividade lúdica mais amada?

Rafinha, por exemplo, que esteve no Resenha, com Ramón Abila, Plihal, Sorin e Alex. Eu estava vendo o programa, Rafinhaquando Sorín perguntou algo sobre o que ele sentia falta quando era um garoto ainda. Precisei sair da sala, acho que fui tomar água, e parei o programa. No caminho, fiquei pensando sobre o que Rafinha tinha vontade de ter e não tinha? Uma bola oficial, uma camisa do Coritiba, video game?

Tirei da pausa e lá está o garoto, e não o craque, falando. "Tinha vontade de comer biscoito recheado".

Olha o nível da necessidade! Hoje, com certeza, tem dinheiro para comprar duas fábricas de biscoito. Aliás, lá em Aguaí, é bolacha. E a gente comprava a granel na Cooperativa, não em pacotes como hoje.

Como Rafinha vai deixar de amar o futebol, fonte de ascensão social? Como vai deixar de ser grato? Fiel às raízes familiares e de amizade, todo ano ele junta dois ônibus com os do coração e leva todos para a praia. A imagem mostrou uma tigrada feliz da vida, com danone na mão e samba na cabeça.

A gente fica cobrando, muitas vezes, que jogador ajude, com soluções ou atitudes, que o futebol brasileiro cresça fora de campo, que deixe de ser feudo de delinquentes. É uma cobrança exagerada e torpe. Jogadores, como Rafinha e tantos outros, serão sempre meninos com vontade de comer bolacha recheada. Nunca crescerão, como tantos de nós. Eu, mesmo, daria tanto para poder jogar uma pelada a mais na rua da minha casa, o único campo que me aceitou, devido a minha total incapacidade de jogar futebol. E também, principalmente, por ser o dono da bola.

O garoto Callum, torcedor do Manchester City, nunca terá sua vida modificada pelo futebol. Financeiramente, falando. Porque emocionalmente, ela já mudou. Fã de Pablo Zabaleta (talvez o único), ele foi convidado pela tv do Manchester City, para gravar um vídeo de despedida para o jogador, que deixava o clube após nove anos.

Foi surpreendido pela presença do próprio Zabaleta, atrás das cortinas. E não consegui mais falar. O ídolo o chama de mini Zaba e recorda que já o havia visitado no hospital há alguns anos. Como Zabaleta é careca, acredito que o garoto tivesse alguma doença que o havia deixado sem cabelos.

Callum chorou muito no colo de Zabaleta. Nunca esquecerá o que passou. Sofrerá com a morte de Zabaleta daqui a 50 anos, como chorou hoje em sua despedida. Seguirá o amigo por todos os tempos. Talvez passe a lua de mel em Buenos Aires e deixe a mulher triste por querer conhecer o campo do San Lorenzo, o primeiro time de Zabaleta. Vai levá-la para dançar um tango e a conhecer a vida do Papa Francisco, corvo como seu ídolo. E ah, se a noiva gritar: Zabaleta ou eu? Calum dirá: "Zabaleta soy yo"

Calum fará tudo por Zabaleta. Apenas não será torcedor do West Ham. Continuará fiel ao City, porque a paixão é sempre pelo clube e não pelo craque.

O clube é por quem fazemos o que fazemos. Pagamos micos, brigamos com parentes, fazemos promessas e gritamos chupas nas janelas.

Porque?
Porque é futebol, estúpido. E futebol é muito mais que futebol.

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.