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Pelé acabou com a carreira de Telê, o Fio de Esperança

Menon

25/07/2017 13h58

Na segunda-feira, fui almoçar com velhos amigos do Diário Popular, lá da década de 90. Nelson

Traço de Batistão, o gênio

Nunes, Luis Augusto Monaco, Maurício Noriega e Marcelo Laguna. Hoje, um dia depois, fiquei pensando que todos convivemos com Telê Santana, na época dirigindo o São Paulo.

Telê era ranzinza, brigava muito com a gente. Proibia que jornalista entrasse no campo de treinamentos. Dizia – com razão – que a gente iria estragar a grama. Mas Telê também era um conversador, um contador de causos. Nada de midia training. Só bate papo

Um dia, ele me contou como a sua carreira acabou. Após levar um drible de Pelé.

Telê tinha muito orgulho de seu posicionamento tático em campo. Era um ponta-direita que ajudava muito o time, cumpria funções táticas além do drible. E dos gols. Telê marcou 165 pelo Fluminense. Ele dizia que adivinhava aonde a bola iria chegar, antes mesmo do goleiro adversário bater o tiro de meta. E contava que Mário Filho, genial escritor e jornalista carioca, havia escrito uma crônica sobre essa qualidade. No final da nossa história, deixo o texto fantástico do Mário Filho, que era irmão de Nelson Rodrigues. Senão, vocês ficam embevecidos e param de ler o meu.

Bem, no final da carreira, em 1962, já com 31 anos, Telê jogava no Guarani. E recebeu o Santos, de Pelé. No auge, com 21 anos. E Telê colocou em prática o seu denodo. Ajudou a marcar Pelé. Ficou atrás dele, pronto para imaginar o que a Fera faria.

Agora, vou colocar Telê para falar, como eu me lembro. Como nunca esquecerei.

"Estava atrás dele, esperando a boa vir. De olho, pronto para adivinhar o movimento. Minha ideia era me antecipar, dar o bote e sair jogando. Eu estava atento e ele, eu imaginei que não. A bola veio, eu dei o bote e ele, que estava me vendo de costas, não sei como, mas estava. Ele sabia o que eu ia fazer. E deu um toque por baixo da bola. Ela foi subindo, rente do meu corpo. Eu tentava fazer algum movimento, mas estava preso no chão, sem poder subir. A bola foi subindo, passou pelo meu joelho, umbigo, peito, nariz e eu via aquilo e não podia fazer nada. Passou minha cabeça, Pelé já tinha se preparado, matou no peito e saiu jogando. Eu xinguei ele de filho da puta e fiquei com vontade de aplaudir. Nessa jogada, eu achei que era o momento de parar".

Telê foi para o Madureira e depois para o Vasco. No ano seguinte, foi para o Vasco. E parou.

Leram até aqui? Agora, vem o prêmio. Parte do texto de Mário Filho, o homem que deu a Telê o apelido de Fio de Esperança. O texto era de 1956, o auge de Telê.

Telê trouxe uma nova medida de tempo para o futebol. É, de algum modo, o ponteiro dos segundos, o que não pára. Os outros são, quando são, o ponteiro dos minutos. Há, até, os que não são ponteiros: são os cinco, os dez, os vinte, os trinta, os sessenta, os números que os ponteiros atravessam, girando. Ponteiro de segundos é Telê. E vocês, que têm relógio, vão compreender melhor por que se descobre Telê, todos os anos. Para ver o ponteiro dos segundos, a gente precisa ser um pouco médico, que todos somos, contar as pulsações.

Eu quero dizer que Telê está no jogo os noventa minutos ou mais, com os descontos. A atenção dele não se desvia da bola. Mesmo a bola caindo no fosso do Maracanã, isto é, desaparecendo da vista da gente. Telê, então, fica olhando o garoto que segura aquela espécie de apanhador de borboletas para ir buscar a bola.

Para Telê é importante. O quíper (goleiro) vai receber a bola, vai colocá-la sobre a linha da pequena área, talvez seja o quíper quem bate o tiro de meta, talvez seja o beque. Telê tem de estar preparado para receber aquela bola ou para roubá-la. Ele é um ladrão dessas bolas sem destino certo, um descuidista dentro do campo. Bola sem dono é de Telê. Quem o chama de ladrão é o Benício Ferreira Filho. E o termo é bom porque quando o quíper do outro lado, ou o beque, bate o tiro de meta, é para dá-la a um jogador do time dele e não a Telê. Mas Telê já está à espera da bola. Há jogadores que olham no momento do tiro de meta, para ver a direção da bola. Telê estava olhando antes. A bola do tiro de meta, a bola do out-side, a bola que espirra, a bola que foge, a bola que toma efeito, a bola que para, a bola que anda, a bola que salta.

Se um jogador espera um passe e não se antecipa, está sem bola, Telê apareceu, para muitos não se sabe de onde. Mas se alguém, em vez de olhar para a bola, olhar para Telê, que é quase a mesma coisa, não tem de que se espantar. Telê está sempre se colocando, mudando de posição, e de olho na bola, ela esteja perto ou longe. Mas não se olha Telê, olha-se a bola, embora se saiba que Telê está no palco, digo no campo. Mas podia dizer palco. Dão a deixa e ele aparece. Só que, no futebol, dão muito mais deixas do que no palco. É, porém, difícil ser Telê, pegar todas as deixas. Sobretudo porque não se reserva para Telê o papel principal. Ele é que toma e com a naturalidade de quem não está tomando nada. De quem está apenas representando o papel que lhe foi destinado.

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.