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Menon

Carta a Jaílson, o Pantera Negra

Menon

23/08/2017 10h44

Caro Jaílson

Nós nunca pudemos conversar ao vivo. Não sou setorista do Palmeiras, o que poderia ajudar em uma resenha ou outra. Então, segui o caminho indicado e pedi duas vezes para fazer entrevista com você e não fui autorizado. Ainda espero pela oportunidade. Você é o tipo de jogador de quem e para quem eu gosto de escrever.

Sabe por que? Porque futebol (e esporte em geral) é muito mais que táticas e números. Elas ajudam a contar uma vitória, mas não trazem para todos as histórias de vida que o estão por aí, pululando qual peixe na piracema. Você é o peixe que eu gostaria de ter fisgado. "Mãe, eu vou ser goleiro e você não vai morrer antes de me ver no Palmeiras". Porra, Pantera, precisa mais do que isso? Que história de vida.

Ah, vou fazer uma confidência. Eu sempre quis dar apelido a jogador. É um tipo de jornalismo ultrapassado, mas seria, para mim, como uma realização. O cara que deu apelido de Divino a Ademir da Guia deveria entrar na Academia Brasileira de Letras. Então, eu passei a te chamar de Pantera Negra. É tão óbvio que talvez outros tenham tido a ideia antes de mim, mas vale a pena. Pantera Negra.

E no início, Pantera, eu nem acertava escrever seu nome. Era Jaílton. Errava sempre. A memória afetiva me levava ao amigo Jaílton, auxiliar de enfermagem e o melhor Mestre Sala que já houve em Aguaí e também porque você era apenas um desconhecido. Um goleiro de 33 anos, chegado da reserva do Ceará para ser o terceiro goleiro do Palmeiras e nunca jogar. Bem, quem sabe um dia, quando os principais estivessem machucados, você entraria. Com a torcida morrendo de medo.

E foi assim. Chegou sob desconfiança e causando críticas à diretoria. Demorou um ano para jogar. Entrou e ninguém sabia o que esperar. E você, Pantera, deu um bico no roteiro que escreviam para a sua vida, utilizou o livre arbítrio e escreveu você mesmo o resto dela. Com treino, suor, personalidade, nos presenteou com um final feliz de sonhos.

O Palmeiras foi campeão brasileiro e você era o goleiro titular. Sem perder um jogo sequer. Perdeu a posição para Fernando Prass, que voltou de contusão. E a verdade prevaleceu. Você voltou novamente. E não perdeu. E pegou pênalti na Ilha do Urubu.

Pantera, eu não gosto da palavra vencedor. Mesmo entre os que não têm um grande mérito esportivo, há boas histórias de vida. E, se há um vencedor, há um perdedor. É uma divisão muito cruel, coisa da competitiva sociedade norte-americana, com seus losers e winners. Para mim, somos seres humanos, todos nós. Com seus méritos e defeitos. A nossa história é escrita por nós mesmos, a cada dia. É o seu caso. De um nome que nem apareceria nos almanaques da vida, transformou-se em um titular indiscutível. Não gosto da simplificação vencedor/perdeor, mas, você é realmente um vencedor. Nunca perdeu um jogo de Brasileiro pelo Palmeiras. Você é vencedor e isso não é subjetivo. É incontestável.

E agora, Jaílson Pantera Negra, sua história de vida ganha um novo capítulo. Dramático capítulo. O livro estava prontinho, com um final feliz e ela, a Vida, coloca um novo tema. Ruptura no tendão do quadril. Ora, que merda é essa? Apenas três casos na literatura médica? Nenhum esportivo?

Olha, Pantera, seria bonito terminar isso aqui dizendo que a caneta (ainda existe?) está em suas mãos e que, se a Vida colocou o tema cruel, quem vai escrever a história é você. Mas, não somos crianças. Sabemos que não é assim. Que agora está nas mãos de médicos. Você, que foi protagonista no ansiado título do Palmeiras, você que é adorado pela torcida, você que tem o respeito de outros torcedores, você, o Jailsão da Massa, você sabe que é o coadjuvante do capítulo mais duro de sua vida.

O que a gente sabe é que seu papel será feito como foi feito o outro, dentro de campo. Com personalidade, com amor à vida, com luta. Você não vai entregar de bandeja. Se o Gabriel Jesus (opa, os médicos) segurarem lá na frente, aqui atrás você dará conta.

Pantera, gostaria de ver você novamente em campo.

Seria o último capítulo feliz na vida esportiva de um trabalhador honrado.

Se não der, vamos todos nos emocionar com uma última entrevista com todos explicando que não dá mais.

Seria o último capítulo triste e muitíssimo digno na vida esportiva de um trabalhador honrado.

Sim, Jaílson, porque você, voltando ou não, está na história da Sociedade Esportiva Palmeiras e no coração de todos que amam essa praga chamada futebol.

 

 

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.