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Menon

Elitização está destruindo o futebol brasileiro

Menon

29/08/2017 16h28

Já não existem setores populares nos estádios, com poucas exceções. Futebol é para rico

A imagem mais antiga que tenho de mim, no fundo da minha memória, é de me ver, aos quatro anos, gordinho e arrumadinho pela mamãe, na sala dos meus avós maternos, rodeado por tios, avós, mãe e, incentivado pelo pai, declamar…o ataque do time de meu pai, recém campeão. E que é o meu, até hoje.

O amor por um time vem, na grande maioria dos casos, como uma herança dos pais. É algo a ser respeitado, transmitir uma tradição. Uma das coisas mais horríveis que acho, em termos de educação, é tentar romper esse caminho. O garoto é filho de palmeirenses e vai um tio e dá um uniforme do Corinthians? Na minha família, foi caso de briga. Meu irmão, o Passional, reagiu muito mal a um fato desses.

A paixão vem do pai e cresce nos campos de futebol. Como sou do interior, os jogos do meu time eram ouvidos muito mais do que vistos. No radinho, pela Bandeirantes, com Fiori e Mauro Pinheiro. Era ótimo, mas, quando meu pai organizava uma excursão até São Paulo, na kombi do meu avô, era muito melhor. Eram 20o quilômetros para vir e outro tanto para voltar. A lembrança do jogo era eterna, assim como a do sanduíche no Frango Assado, em Jundiaí.

A primeira ida ao estádio é um rito de passagem. Algo a se contar a amigos invejosos. E as outras, se constituem em um rito. Você vai e se junta aos seus contra os outros. Estou falando de cânticos, bandeiras, festa e não de assassinatos. Mas é, sim, como se fosse uma guerra. Você e sua turma incentivam seus jogadores contra os jogadores rivais e seus apoiadores. Isso faz nascer amizades, cria laços de companheirismo e solidariedade, forma caráter.

Os clubes brasileiros estão rompendo esse caminho herança familiar/presença nos estádios e isso vai acabar voltando-se contra eles. Os ingressos estão caríssimos e são um privilégio quase total dos sócios-torcedores. Quanto mais vão ao estádio, mais pontos ganham nos programas de fidelização. Então, os clubes estão sempre com as arenas lotadas, mas são sempre as mesmas pessoas, exagerando um pouco.

E que tipo de pessoas são? Pessoas ricas, que pagam caro pela presença. E ainda gastam com estacionamento e outros custos. Não há uma parte de estádio reservado para os que não tem dinheiro. A Coreia no Beira Rio, as arquibancadas e gerais do Maracanã e de outros estádios que se modernizaram. Em nome do conforto, foram diminuídos os números de ingressos. E agora, todo mundo é obrigado a torcer sentado. Mas, o povo gosta de torcer sentado? Prefere pagar barato e ficar em pé, ou não poder ir ao jogo?

E, se não vai ao estádio, o que um garoto em fase de gostar de futebol, faz? Fica em casa, vendo televisão. E, convenhamos, a concorrência é enorme. Para que ele vai ver Lucas Pratto, Deyverson, Jô, Guerrero e outros, se o Neymar está a um clique. O Cristiano Ronaldo e o Messi também. Só com muito amor ao time. Só que o amor não está solidificado porque ele nunca viu seu time ao vivo. Não tem plata para tanto.

O fim dessa história é que torcer para o meu Chelsea, o meu Real, o meu Barça deixará de ser coisa de colonizado. Caminhamos para que toda camada da sociedade passe a ter um time estrangeiro como preferencial. E não como segunda opção. Então, vão correr atrás do prejuízos do crime cultural e esportivo que estão cometendo: a elitização forçada do futebol brasileiro. Uma paixão popular não resiste se o povo não pode desfrutá-la.

 

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.