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O adeus de Ceni a Pintado. O choque com Pinotti. Decepção com Beale

Menon

01/09/2017 13h02

Na sexta-feira, 30 de junho, um Rogério Ceni bem diferente do normal, costumeiramente confiante, comandava mais um dos muitos treinos fechados, algo constante em sua passagem pelo São Paulo.

Estava visivelmente abatido, nervoso, olhando de lado, como se faltasse alguma coisa. Faltava. Naquele dia, Michael Beale, o inglês que ele trouxe ao Brasil para ser seu braço direito havia pedido demissão.

"Não estou surpreso, mas assustado", disse Ceni a um amigo. Talvez já esperasse a saída, mas não naquele momento em que o time estava tão mal e em que ele precisava de apoio. O São Paulo não vencia havia cinco jogos, com um empate e quatro derrotas.

E ele estava só, comandando o último treino do time que enfrentaria o Flamengo, dois dias depois, no Rio.

Estava só, mas acompanhado. Ao lado de Pintado, auxiliar em quem não confiava e que não havia sido um pedido seu, como membro da comissão técnica.

E, além da saída de Beale, estava irritado com a negociação de Thiago Mendes para o Lille. O jogador não aceitou seus pedidos e argumentações para que ficasse até o final do ano. Bateu o pé e saiu.

No dia seguinte, o velho Ceni estava de volta. Havia recorrido à casca que sempre o acompanhou durante a carreira de jogador vitorioso e treinador incipiente. Mostrava a confiança e altivez que muitas vezes foi confundida com arrogância. E, que para muitos, é arrogância mesmo.

No domingo, o São Paulo perdeu para o Flamengo. E chegou à zona de rebaixamento, no 17º lugar, com 11 pontos, o mesmo número do Bahia, algo que não acontecia desde 2013. Na entrevista coletiva, Ceni culpou Leandro Paulo Vuaden, o árbitro, por haver dado uma falta do estreante Petros em Guerrero e por deixar a barreira tricolor muito longe da bola. E,  para dar segurança aos jogadores, assumir a pressão pelos maus resultados.

""Graças a Deus que é cima de mim a pressão. Fico feliz. Pela história que construí, pelo lastro que tenho, já conquistei muitos títulos e tive decepções. Ganhei Campeonatos Brasileiros, fomos eliminados em mata-mata, já frequentamos meio de tabela e passamos por essa situação única em 2013 quando eu jogava", ressaltou.

A tática não deu resultado. Na segunda-feira, foi demitido. O presidente Leco eximiu-se de qualquer culpa pela situação e começou-se a falar de "herança maldita" de Ceni. Foi o final infeliz de uma relação que começou com juras de amor.

A CONTRATAÇÃO

Em setembro do ano passado, Rogério Ceni procurou Marco Aurélio Cunha, então diretor executivo de futebol. Disse que respeitava muito Ricardo Gomes, mas, que, se ele não fosse ficar no clube em 2017,  gostaria de ter seu nome considerado para assumir o clube. Tambem procurou Vinícius Pinotti, então diretor de marketing, pedindo apoio à sua pretensão.

Marco Aurélio disse para ele se preparar. Para fazer uma imersão em Cotia. E Pinotti, que no futuro teria muitas discordâncias com ele, assumiu o papel de cabo eleitoral.

Em novembro do ano passado, Ceni foi anunciado como novo treinador. E, antes disso, conseguiu, nas negociações, uma multa de R$ 5 milhões e caso de demissão, se ela viesse com mais de 47% de aproveitamento. E foi duro sobre a pré temporada. Tinha de ser como ele queria. Caso contrário, preferia assumir o cargo apenas em 2018.

Tudo foi aceito. O técnico iniciante agiu como se tivesse a faca e o queijo na não diante de um grande clube. Pesou o seu nome, sua condição de mito e a necessidade de respaldo de uma diretoria que havia escapado do rebaixamento com muito custo.

O PODER ILIMITADO

Ceni trouxe o inglês Michael Beale e o francês Charles Hembert como auxiliares. Era seu núcleo duro. Tinha total confiança neles e nenhuma confiança em outras pessoas.

Em uma das primeiras reuniões, perguntou a um funcionário presente qual era a sua função. Ele disse que trabalhava no Morumbi, assessorando a diretoria.

Ah, entendi, respondeu Ceni. Se tiver algum problema entre mim e a diretoria você vai ficar com eles. Vou tomAr cuidado

Disse que não gostaria de trabalhar com Pintado. Via nele um possível concorrente ao cargo, pois Pintado nunca escondeu que sua meta, como figura história do clube, era ser, um dia, técnico do São Paulo.

Foi dissuadido pela diretoria. Lembraram a Ceni que, quando Bauza havia caído, fora André Jardine quem assumira. Prova de que Pintado nunca seria efetivado. Ceni aceitou os argumentos, mas sempre manteve distância do auxiliar. Era ele, Beale e Hembert. Apenas.

 

Em 21 de janeiro, Marco Aurélio Cunha deixou o São Paulo. Seu cargo passou a ser ocupado pelos diretores Jacobson e Medici. E o poder de Rogério Ceni aumentou ainda mais. Não atendeu nenhuma ponderação sobre a necessidade de fazer mais treinos abertos e de tentar uma aproximação maior com jornalistas e, logicamente, com a torcida. O que era uma tentativa de proteção a ele, foi entendido como confrontação.

 

MONTAGEM DO ELENCO

Rogério teve o que queria, dentro do possível. A diretoria explicou que precisava fazer dinheiro e ele foi a favor da venda de Lyanco.

Havia propostas por David Neres e Luiz Araújo e ele optou por Neres, que renderia mais e que não estava com ele na pré temporada. Pediu para que Luiz Araújo ficasse e foi atendido. Pediu que Thiago Mendes ficasse e foi atendido. Pediu Cícero e foi atendido. E, seguindo orientação da diretoria, apostou na base.

Ele também recusou muitos jogadores. A diretoria chegava até ele e explicava que havia um bom negócio em vista. Ele respondia que  não gostava do jogador e que, se fosse contratado, não seria utilizado por ele.

A exceção foi Jucilei, que ele vetou e depois utilizou constantemente.

ENTREVISTA DESASTROSA

EM 5 maio, Pinotti assumiu o futebol do São Paulo. No dia 11 de maio, houve a eliminação para o  Defensa y Justicia, da Argentina. A terceira seguida. Após o jogo, antes da coletiva, Pinotti foi falar com os jornalistas e deu total apoio a Ceni. Disse que ele estava mantido até o final do contrato. Era a deixa para o treinador ter uma coletiva tranquila.

Não foi nada disso. Ceni estava irritadiço e transmitiu muita insegurança. Disse que, se os treinos fossem abertos, os jornalistas continuariam a não entender nada. E reclamou do período sem jogo, que havia sido de 17 dias. Justamente ele, que havia reclamado de falta de tempo para treinar.

No dia seguinte, comunicou a Pinotti que não trabalharia mais com Neílton, que havia sido sua arma secreta contra o DyJ. Treinou 17 dias com ele, jogou 45 minutos, foi substituído e afastado. O jogador que viera, a seu pedido, em uma troca com Hudson, não servia mais. E o São Paulo havia sido eliminado da Copa do Brasil com gol de Hudson.

FALTA DE CONVICÇÃO.

Foi a segunda vez que Ceni havia mostrado falta de convicção. A primeira foi após a derrota por 3 x 0 para o Palmeiras, em 11 de março, ainda no Paulistão. O time que marcava pressão na saída do adversário, que ataca muito, que se arriscava, não existia mais. E Ceni começou a mudar. Jogou com três zagueiros, deixou de privilegiar posse de bola, depois passou a jogar com duas linhas de quatro.

O time era escalado de acordo com o adversário. E passou a render cada vez menos, até entrar na seca do Brasileiro, que terminou com sua demissão, menos de três meses depois.

CHOQUE DE ESTRELAS

Vinícius Pinotti assumiu o segundo cargo mais importante no futebol do São Paulo, seu clube do coração. Para isso, afastou-se de sua empresa. Não faria isso para não exercer o poder. E o poder estava com Ceni. O choque entre ambos era inevitável.

Houve cobranças que não foram bem aceitas. Ceni não se limitava a ser apenas o treinador. Até que um dia, a conversa foi ríspida.

"Rogério, existe uma hierarquia no clube. E eu não abro mão dela. Eu sou diretor de futebol e você é o treinador".

Rogério entendeu o recado vindo daquele que havia sido um dos entusiastas de sua contratação.

Pinotti estava irritado também com algumas contratações que foram pedidas por Ceni: Cícero, Sidão, Marcinho e Thomaz, principalmente Thomaz. O diretor não se conformava – e não é culpa de Ceni – que um jogador desconhecido tivesse sido agraciado com um contrato de três anos com o São Paulo, ganhando R$ 80 mil por mês.

FIM DA PARCERIA

As constantes reclamações de Ceni sobre o desmanche do elenco deixaram Pinotti e Leco descontentes. Rogério habilmente construía a narrativa de que havia sido abandonado pela diretoria.

E a diretoria sabia que quase tudo havia sido feito sob aprovação do treinador, como as saídas de Lyanco, Neres e Luiz Araújo.

No caso de Luiz Araújo, Ceni dizia a alguns que o São Paulo, graças a ele, havia ganho em torno de 4 milhões de euros, a diferença entre a primeira e a segunda ofertas do Lille. Graças a ele, Ceni, o garoto teria se valorizado tanto. Mas, para o grande público, Ceni pintava como traído.

Thiago Mendes foi o único jogador que saiu, apesar de pedidos reiterados do treinador. Pedidos feitos, inclusive, ao próprio jogador, que foi irredutível. Alias, em sua apresentação no São Paulo, em 2015, Thiago já havia dito que iria para a Europa. Que era seu sonho.

RESULTADOS DECIDIRAM

Todos os problemas poderiam ser solucionados, todas as arestas poderiam ser aparadas. Mas o time não reagia. Perdia de pouco, mas perdia. E Ceni culpava "erros medonhos" e dizia que seu time podia encarar qualquer rival do Brasil. A frase foi dita após o empate em casa contra o Fluminense, dia 25 de junho.

Ali, ele já balançava. E não sabia que teria apenas uma semana a mais para reagir. Um  jogo a mais. Foi a derrota para o Flamengo.

E caiu.

O ADEUS

Ceni despediu-se dos jogadores, mandou uma mensagem aos torcedores, através das redes sociais. Agradeceu ao clube.

E mandou uma mensagem a Pintado, em quem ele nunca confiou.

"Vai firme Pintado, desejo sucesso e muita sorte amanhã, estou embarcando, não poderei assistir aos próximos jogos, mas tenho a certeza que a vitória vira. Hora de respirar, dar um tempo e aprende cada vez mais e num futuro voltar a trabalhar. Obrigado por tudo."

Estava arrependido da desconfiança? Ou estava apenas incentivando seu substituto, pelo bem do São Paulo?

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.