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Jaílson, vítima do ódio e Cipriano, usuário do mercantilismo legal

Menon

28/02/2018 13h01

O paixão doentia, mais doença que amor. O profissionalismo exacerbado, como se o amor do povo fosse apenas um negócio. A fragilidade dos clubes, dominados por empresários. O desconhecimento, até por jornalistas, do que significa uma matéria jornalística. São fatores que afloraram nos últimos dias durante os casos Jaílson e Cipriano. Me deram um desânimo muito grande. E a sensação de que tudo vai piorar.

Primeiramente, o caso de Jaílson, que demonstra, a meu ver, que a cultura do ódio está tomando conta de parte da população brasileira. A televisão fez uma matéria com a mãe de Jaílson, corintiana, vibrando, como milhões de torcedores, com a vitória de seu time sobre o Palmeiras. Só comemorou após a saída do filho.

Eu não faria isso, se fosse ela. Pelo menos, não faria se não tivesse obtido permissão dele. Mas, eu não sou ela. Eu trabalho com comunicação, eu vivo de comunicação e sei como a banda toca. Pelo menos, deveria saber. Muitas vezes cometo erros de avaliação sobre como alguma coisa que faço ou escrevo irá repercutir. Imagine a Maria Antonia, mãe de Jaílson. O que ela pode entender de trolls, haters, mídia social blablabla…

Bem, ela fez a matéria. Matéria ótima e muito bem equilibrada, como me  contaram amigos. Eu não vi.

E o mundo caiu.

Conselheiros pediram repreensão a Jaílson – Ora, deve ser a turma do amendoim, causadora de tanto atraso no clube em anos recentes.

Paete dos jornalistas palestrinos correm a explicar que a """"CULPA""""" (assim, com milhões de aspas) é da mãe e não do jogador. Culpa de quê, de aceitar fazer parte de uma matéria? O que a matéria traz de mal para o Palmeiras? Inclusive, a matéria mostra que Jaílson sempre foi palmeirense. A mãe, democrática, nunca o impediu de nada. Vou contar um segredo. O erro aqui é desse tipo de profissional, que busca, demagogicamente, se firmar como defensor do clube. Os que acreditam em tanto comprometimento, tanto amor, são apenas um nicho de mercado muito bem explorado. Mirem-se no exemplo, do jornalista palmeirense Mauro Beting, que segue o escrito no parágrafo anterior e é primeiro jornalista do que palmeirense.

Outros dizem que a culpa é da imprensa. Sim, somos culpados de muita coisa, mas no caso, do quê, mesmo? De fazer uma bela matéria que não mente, não adultera, não ofende e mostra várias facetas de uma realidade?

Minha avó, Stela, era corintiana. Meu avô, João Bacci, era são-paulino. Percival, o filho mais velho, palmeirense. Pércio, são-paulino, Márcio e Maurício, corintianos. Minha mãe, não era nada. Márcio teve quatro filhos. Bruno, Flávia e Márcia, corintianos como ele. Anamaria, são-paulina, por convencimento de Tio Pércio.

Como seria em casa, se fossem seguidos os ditames do ódio que existe hoje em dia. Márcio e Pércio se enfrentariam fisicamente porque um "roubou" a filha do outro? Os irmãos não se falariam? Os filhos de um não poderiam conversar com os filhos do outro? É assim que a sociedade deve se comportar diante da diversidade de opinião? Felipe, Franco e Bianca, filhos de Anamaria são argentinos e torcem pelo Boca? Os tios e primos deveriam ofendê-los em anos de Copa? Ou todo ano?

Eu não consigo entender que o futebol tenha se degenerado tanto a ponto de uma pessoa ligar o computador para ofender o produtor da matéria, para discutir se o goleiro, que tem uma história de vida reta e digna, é culpado por não proibir a mãe de fazer o que deseja ou se a mãe é culpada por não saber o que significa alcance de mídia social.

Qual a doença de uma sociedade em que a pessoa coloca a bunda na cadeira e pensa "agora eu vou piiiiii aquela gambá piiiiii que foi na piiiii da televisão para piiiii o meu Palmeiras?" Nota: seria tudo igual se fosse o contrário ou se envolvesse outros segmentos de outras torcidas.

Não seria melhor pensar porque os jogadores do Palmeiras, uma vez mais, não entenderam o que significa esse clássico?

Agora, vamos ao caso Marquinhos Cipriano.

O São Paulo pagou R$ 1 milhão pelo jogador, que era do Desportivo Brasil.

Fez um contrato de três anos. Deveria ter feio por mais tempo: Grosso modo, sim. Evidente. Se era uma tão grande promessa.

O contrato está terminando e o jogador foi pouco aproveitado. Tem 20 minutos no time profissional. No ano passado, passou por um processo de fortalecimento, ganhando peso.

O jogador comunicou que não deseja mais ficar no clube. O São Paulo, que rejeitou propostas de clubes estrangeiros, nada receberá após a saída do jogador.

Marquinhos Cipriano fez algo errado? Não, está tudo dentro da lei.

Há rumores de que ele irá para o Palmeiras? Se for, nada de errado. Nada. Tudo dentro da lei.

E que lei é essa? Uma lei ótima, que libertou os jogadores do passe, que impediu tanta gente no passado de ter um presente digno.

O que pega, então?

Para mim, é ver o futebol aprisionado pelas leis do mercado. O garoto chega ao clube e não pensa em ser um ídolo. Não pensa em ser reconhecido como um ídolo pela torcida. E não liga de ser reconhecido (injustamente, é claro) como um mercenário. E não ter, ao menos, um ato de, sei lá, respeito. Assina novo contrato e espera a transferência, de modo que o clube receba algo. Ricardinho só aceitou trocar o Corinthians pelo São Paulo, se o Corinthians recebesse uma compensação financeira. Que não estava na lei.

Se a paixão doentia não é amor, é ódio e oportunismo, a falta de paixão no outro caso, é a comprovação de que os clubes estão nas mãos de empresários que estão pouco se piiiiiiii com o povo, com o futebol.

É tudo business. Tudo dentro da lei.

Tudo muito bem. Mas me dá um desânimo muito grande ver o esporte que sempre amei e que me dá sustento, estar dividido entre o ódio e o mercantilismo.

Chato pra piiiiiiii.

 

 

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.