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Em 1958, o Brasil deixou de ser vira-latas.

Menon

29/06/2018 11h11

(AP Photo)

Há exatos 60 anos, em 29 de junho de 1958, o Brasil provou ao mundo e principalmente aos brasileiros "vira-latas", imortalizados por Nelson Rodrigues, que poderia ser campeão do mundo de futebol. O que havia sido um sonho em 1938, com o terceiro lugar na Itália em pesadelo em 1950, com o Maracanazo, agora era uma realidade.

E a chegada ao grupo de campeões, até então restrito a Uruguai (30 e 50), Itália (34 e 38) e Alemanha (54), não foi tímida ou contestada. Foi ruidosa, espetacular, inesquecível e quantos elogios mais couberem. O Brasil foi campeão do mundo, dando ao mundo o maior jogador de todos os tempos, Pelé, e aquele que transformava um palmo de grama em um latifúndio, Mané Garrincha, o mais lúdico jogador da história.

Não que não houvesse craques antes. O terceiro lugar na Itália teve a aparição de Leônidas da Silva, o Homem de Borracha, o homem da bicicleta, artilheiro da competição. Em 1950, havia Zizinho, um armador genial…sempre houve craques, mas nunca houve (haverá?) uma dupla como Pelé e Garrincha.

Juntos, eles nunca perderam um jogo. Foram 40 partidas e 36 vitórias. Desde a primeira, em 1958, contra a União Soviética (2 x 0), até a última em 1966, contra a Bulgária, também 2 x 0. E a dupla nem existiria, não fosse uma série de fatores que parecem manejados pelos tais deuses do futebol.

Pelé era um total desconhecido. Para o mundo? Não, para o Brasil. Tinha 17 anos e começava sua carreira no Santos, já em altíssimo nível. Mas, eram tempos diferentes, de pouca interação e Zagallo disse várias vezes que os cariocas não sabiam que Pelé era tão bom. Sua chamada foi uma surpresa.

Uma surpresa possível apenas porque o treinador era Vicente Feola, do São Paulo e que conhecia Pelé.

E Garrincha, já conhecido e já um grande jogador, quase ficou de fora da Copa em duas ocasiões. Na apresentação, foi submetido, como todos os outros, a testes psicológicos comandados pelo psicólogo João Carvalhaes.  Ele não gostou dos resultados, viu indícios de falta de concentração e recomendou o corte.

O psicólogo era uma das novidades da preparação. O Brasil não havia assimilado ainda o trauma de 50 e, como sempre, os jogadores foram culpados. No caso, Barbosa e Bigode, dois negros. Em 1954, o Brasil fez ótima partida contra os húngaros, mas foi derrotado pela espetacular seleção de Puskas. Os dirigentes brasileiros aprontaram uma briga imensa, com muitas agressões, no que foi chamada A Batalha de Berna.

Era preciso ter um time disciplinado, um time em que os jogadores não andassem de chinelos na concentração, um time mais "europeu". Um time concentrado, com foco, o que os testes de Carvalhaes não detectaram em Garrincha. Um time mais branco.

E os dribles de Mané, que o levaram à seleção, também, em enorme contrassenso, eram vistos com maus olhos. Era preciso ser objetivo. E, em uma excursão, antes da Copa, o Brasil enfrentou a Fiorentina, em 29 de maio, o último antes da estreia, em 8 de junho. O Brasil vencia por 3 x 0 e Garrincha driblou uma série de jogadores. Diante do goleiro Sarti, recusou-se a fazer o gol e deu mais alguns dribles. Depois, marcou. A irreverência custo caro. O corte não saiu por pouco.

Na Fiorentina, jogava Julinho Botelho, ponta-direita e destaque brasileiro na Copa de 1954, com dois gols. Ele seria titular, mas recusou a convocação por jogar na Itália e considerar que seria uma desonra aos brasileiros que atuavam no Brasil. Como Garrincha.

O Brasil estreou com uma vitória por 3 x 0 sobre a Áustria, com dois gols de Mazzola e um de Nílton Santos. Um lateral avançar e fazer um gol era uma raridade imensa. Só foi possível porque Zagallo, na esquerda, fazia a cobertura. Zagallo estava escalado por uma decisão tática de Vicente Feola.

Ao trabalhar com Bella Guttmann, havia decidido abandonar o WM e jogar no 4-2-4, com Zagallo na ponta, atacando e compondo o meio. Para isso, abriu mão de Pepe, ponta mais ofensivo e com um chute fortíssimo e de Canhoteiro, seu jogador no São Paulo, um driblador comparável a Garrincha.

As ideias de Feola são esquecidas. A crônica fácil preferiu reduzi-lo a um gordo que não entendia nada e que dormia no banco. A alguém que ficou gritando para Nilton Santos não atacar na hora do gol contra a Áustria e não a alguém responsável pela mudança tática que permitia o avanço de Nílton Santos.

O Brasil venceu com Gilmar, De Sordi, Bellini, Orlando e Nílton Santos, Dino e Didi; Joel, Mazzola, Dida e Zagallo. Três dias depois, 11 de junho, o Brasil empatou com a Inglaterra, com o mesmo time, exceção de Vavá em lugar de Dida.

Mais quatro dias e o Brasil enfrentaria a União Soviética, do goleio Lev Yashin, e que vinha de ótima campanha. Havia vencido a Áustria por 2 x 0 e empatado com os ingleses por 2 x 2. Era a primeira participação em Copas, o mundo havia saído de uma Guerra Mudial há 13 anos e o comunismo era uma sombra. Os soviéticos eram o futebol científico.

Os dias na concentração brasileira foram de muita conversa. Dino Sani havia se contundido e daria lugar a Zito. Didi e Nílton Santos pediram uma reunião com Feola e argumentaram que Garrincha e Pelé precisavam jogar. Que o time iria melhorar muito.

Feola aceitou. E o Brasil, que, por conta do desastre do Maracanã, estava desconfiado de suas individualidades, de seu estilo de jogo, que almejava um futebol mais planejado, colocou Garrincha e Pele contra o futebol científico dos soviéticos.

Foram os três minutos mais impressionantes da história do futebol mundial. Se o Brasil não conhecia Pelé, o que o lateral-esquerdo Boris Kuznetsov sabia de Garrincha? Nada. Mas, no primeiro lance, em que ficou na saudade, aprendeu que seria impossível marca-lo. Foi uma série de dribles e o cruzamento para Vavá fazer o primeiro, logo a dois minutos. E o segundo, já no segundo tempo, aos 31 minutos.

Pais de Gales foi o adversário de 19 de junho. Uma retranca imensa, inexorável, até que Pelé, aos 31 minutos, fez sua obra de arte minimalista. Um balãozinho no zagueiro, em espaço mínimo, e uma definição impecável. Bye, bye retranca.

A semifinal foi contra a França, que tinha um trio atacante formado por Kopa, Piantoni e Just Fontaine. Fontaine já havia marcado oito vezes. E marcou pela nona, aos nove minutos, empatando o jogo, pois Vavá havia marcado aos dois, com cruzamento de Garrincha.

O jogo estava igual, até que Vavá, em uma entrada violentíssima, quebrou a perna de Robert Jonquet, o volante francês, um dos melhores do time. Ele saiu de campo. Não havia substituição e a França passou a jogar com dez. Não houve tempo para alguma mudança tática porque dois minutos depois, Didi fez o segundo gol brasileiro. No segundo tempo, Pelé fez mai três e Piantoni descontou.

Chegou a final contra a Suécia e o Brasil fez uma mudança. Saiu De Sordi e entrou Djalma Santos, que havia feito uma grande Copa em 1954. Entrou por que estava treinando bem? Entrou por que o ponta Skoglund, da Suécia, era um fardo muito grande para De Sordi? Ou entrou porque o projeto de um Brasil "mais branco" já havia sido destruído por Pelé e Garrincha? O certo é que Didi, o Príncipe Etíope de Nelson Rodrigues, único negro na estreia, tinha agora a companhia de Djalma Santos, Pelé e Garrincha.

Na véspera da final, choveu muito e os suecos cobriram o gramado com lona, para que a bola corresse solta na final. E ela correu. Com gol de Liedholm aos três minutos. Didi recolheu a bola no fundo do gol e caminhou com ela, lentamente até o meio do campo, pedindo calma aos companheiros.

O empate veio aos nove, com cruzamento de Garrincha e gol de Vavá. A jogada se repetiu aos 32, com novo gol. Zagallo já havia feito o segundo, aos 23, com um biquinho ao estilo Romário. No segundo tempo, Pelé marcou o quarto, Simonsson descontou aos 35 e Pelé fez o último, aos 45, já no final.

Brasil campeão do mundo.

Com cinco mudanças do primeiro para o último jogo.

Com um time mais negro.

Com um time menos científico.

Com Garrincha.

Com Pelé.

Há 60 anos.

 

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.