"Isorrá" e Pedro Bassan me ajudaram na Coreia
Eu cobri a Copa de 2002 pelo Jornal da Tarde. A Copa e não a seleção, que ficava aos encargos da grande dupla Luis Antonio Prosperi e Cosme Rímoli. No início da competição, eu fiquei na Coreia, enquanto a grande maioria da equipe ficou no Japão. Coube a mim, então, cobrir a abertura do Mundial, dia 31 de maio, em Seul. Iriam jogar França, a campeã de 1998, contra o desconhecido Senegal. Jogo para 62.561 pagantes.
Procurei meu assento, me instalei e fiquei vendo o estádio começar a receber os pagantes. Não gosto de chegar em cima da hora, é um barato ver o monstro de concreto tomando vida.
Pouco antes do jogo, o telão começou a mostrar um filme com cenas de copas antigas. E, lá no alto, apareceu Tostão, na Copa de 70. E ali, comigo, um lance abaixo, à minha esquerda, estava…Tostão, caderninho na mão, colunista da Folha. Um dos caras mais bacanas que conheci. Saía com a garotada da Folha, não ficava pedindo para voltar ao hotel, era um bom companheiro dos repórteres. Conversava com todos, nada de arrogância.
Começou o jogo. A França tinha remanescentes do título de 98: Barthez, Leboeuf, Desaily, Trezeguet, Lizarazu, Vieira, Petit…Zidane, contundido, só entraria no terceiro jogo, contra a Dinamarca. O Senegal? Para mim, tinha apenas um tal de Diouf.
El Hadji Ousseynou Diouf, então com 19 anos. Jogava no Lens, da França. Havia sido vice-campeão. Aliás, para ser sincero, só conheci algo do Diouf, dias antes. Para não falar apenas da França, era preciso buscar um personagem senegalês e ele era o que mais aparecia como possível surpresa.
E foi. Muito rápido, começou na direita. Conseguia o drible e cruzava para trás. Depois foi para a esquerda e manteve o ritmo. Com 31 minutos, conseguiu uma escapada e cruzou rasteiro. Papa Bouba Diop, centroavante, fez o gol. Uma zebra na abertura da Copa. Depois, os franceses empatariam com os uruguaios e perderiam para a Dinamarca. Vexame.
No dia seguinte, pela manhã, tomei metrô e fui até o hotel onde se concentrava o Senegal. O primeiro a chegar. Passarinho que acorda cedo, bebe água limpa, dizia Mestre Cilinho.
Fiquei ali no lobby, e de repente, Diouf. Com um fã.
Cheguei até ele disposto a gastar as 17 palavras que conheço de francês. O que ajuda muito repórter brasileiro é o fato de ser brasileiro. Quando você diz que é brasileiro, o interlocutor responde: "Brasil, Pelé, Ronaldo, Rivaldo, Roberto Carlos…". Tudo fica mais fácil.
Então, me apresentei.
Monsieur Diouf. Je m'apelle Simon et je suis journaliste bresilien.
Ele parou, me olhou fixamente e, em vez de Pelé, Rivaldo, Ronaldo, etc, cantarolou algo assim
Le rê, le rê, lerêlerêlerê,
Fiz cara de paisagem, é lógico. Sem entender nada.
Ele cantarolou de novo, agora com auxílio do fã.
Nada de eu entender.
Cantaram mais alto.
Nada.
Então, Diouf disse: Isorrá, Isorrá, Isorrá…
Nada, gente. Meu ouvido musical é zero.
Esclave, esclave, esclave…
E o cérebro deu um sinal de alento. Lá no fundinho, a sinapse aconteceu.
Escrava?
Oui, Escrava Isorrá.
Escrava Isaura? Lucélia Santos.
Oui, oui.
E garramos a conversar, como se diz no interior. Novela brasileira e futebol.
Lógico que a conversa acabou logo. Meu francês pediu água.
Já estava conformado em contar sobre o ambiente, falar sobre o assédio dos fãs, sobre a Escrava Isaura e uma pitada pequena sobre o jogo, falando mais da sua alegria com o resultado.
Então, chegou Pedro Bassan, um dos grandes repórteres que conheci. Um amigão, máscara zero. Contei para ele sobre a Escrava Isaura e ele fez Diouf cantar e dançar. E falar muito sobre futebol. As respostas enriqueceram muito meu material.
Valeu a pena acordar cedo. Valeu a pena ser amigo do Bassan. Valeu, Escrava Isaura.
PS – Após a Copa, Diouf e seu companheiro Diao foram para o Liverpool, sem sucesso. Diouf não teve uma carreira de sucesso. Atualmente, joga na Malásia e deve continuar vendo novela brasileira.
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