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Geninho: "Sou discriminado pela idade, mas tenho muita lenha para queimar"

Menon

06/11/2018 04h00

O Avaí está em terceiro lugar na Série B, com 56 pontos, atrás de CSA (57) e Fortaleza (64), que já subiu. Nesta terça-feira (06), enfrenta o Atlético-GO, sétimo colocado com 51 pontos, em Goiânia. É a primeira das quatro decisões que fará até o final do torneio, em busca do sonhado acesso. Emoções naturais e já vividas muitas vezes por seu velho treinador.

Eugênio Machado Souto, ou simplesmente Geninho, completou 70 anos no começo do ano fazendo o que mais gosta: treinando times de futebol. Profissional vencedor, gentil, de bom papo, daqueles que todo time gostaria de ter, o ex-goleiro que queria ser advogado, e passou muito bem por grandes clubes do país, é o técnico mais velho em atividade nas principais divisões do futebol brasileiro depois da dispensa de Givanildo, no Remo.

Lutando todos os dias contra a discriminação por causa da idade e lutando para provar que os mais experientes na profissão não são "ultrapassados", ele está próximo de mais um feito na carreira de sucessos: conduzir o Avaí à elite do Brasileirão, como já fizera em 2014. "Não serei hipócrita, sofremos muita discriminação, sim, todos os dias, por causa da idade. Apenas cientistas não ficam ultrapassados quando envelhecem. Mas estou vendo muito treinador chamado de velho se destacando, com bastante lenha para queimar". Fora dos times grandes desde 2008 por "culpa" das novas gerações, Geninho se diz realizado na profissão, revela que estuda todos os anos na Europa para se manter atualizado, não esconde a mágoa com a última demissão do Atlético-PR e lamenta não ter assumido o Flamengo quando recebeu proposta "formal e vantajosa".

Como é para um treinador assumir um clube em crise, sem vencer há oito jogos e seis meses depois estar lutando por um acesso e com chances de título?

Muito bom. Naquela dificuldade momentânea, eu sabia que teria de  mudar o quadro que peguei, e quando você consegue fazer o time produzir, reagir, é prazeroso. Eu vim para colaborar, alguma coisa precisava ser feita, e não podia decepcionar a pessoa que estava confiando em meu trabalho. Está dando certo.

Você subiu com o Avaí em 2014, mas não teve o gostinho de dirigi-lo na elite. O que planeja para 2019, com a vaga bem encaminhada?

Ainda não estou pensando no ano que vem, apenas focado em subir de novo, tentando repetir 2014. Não é momento de tratar essas coisas (renovação, pensar no Brasileirão). Está encaminhado (o acesso), mas a disputa é bem apertada, muito disputada e ficar antecipando as coisas não seria muito inteligente.

Alguma semelhança entre aquela equipe, que tinha jogadores mais experientes, e essa?

Realmente aquela era bem mais experiente, um outro time, diferente desse que é uma mescla de jovens jogadores com juniores. Em 2014 tinha o Anderson (jovem promissor), o Marquinhos jogando muito. Hoje ele convive com lesões, problemas musculares. Lá estava inteiro. Tínhamos o Eduardo Costa, um líder em campo, o Pablo, hoje zagueiro da seleção. Era um time encorpado. Esse vem tendo boas apresentações com muitos garotos e só dois experientes, o próprio Marquinhos e o Betão.

A tabela dessa reta final de Série B é bem ingrata ao Avaí, com confrontos com quatro times (Atlético-GO, Fortaleza, CSA e Ponte Preta) que estão entre os oito melhores e brigando pela vaga. Como encarar essas pedreiras?

Temos quatro decisões e temos de passar bem por elas. Cada um que formos passando com resultado positivo, vamos largando para trás, e isso é importante para quem quer subir.

Você não quer falar de 2019, mas caso se confirme o acesso, dirigirá seu 18º time diferente na elite do Brasileirão. Qual o sentimento dessa maioridade?

(Risos). A carreira é muito longa, muito tempo na estrada passando por time grande (Atlético-MG, Botafogo, Corinthians, Santos e Vasco), médio (Atlético-PR, Portuguesa, Sport, Goiás, Ceará, Bahia, Juventude, Ponte Preta, Fortaleza, Náutico, Vitória) e pequeno (São Caetano, Atlético-GO, Botafogo-SP, Paraná Clube…) conquistando muita coisa. Esse pode ser o 5° ou 6° acesso, ganhei regionais na maioria dos clubes, sem contar o Brasileirão (2001 com o Atlético-PR). Fico envaidecido pelo que fiz. Não passei por passar, deixei marcas, fui passando e conquistando, deixando portas abertas e um reconhecimento. Fiquei em terceiro com o Goiás num Brasileirão (em 2015), levei-o à Libertadores. Deixei um legado na maioria dos clubes, com coisas boas.

Realmente você já rodou por diversos times grandes do País e teve bastante sucesso na carreira. Mas desde 2008, quando dirigiu o Botafogo, que não assume um gigante. Qual a explicação?

Não sei explicar o porquê. De repente surgiu uma turma nova ocupando o espaço dos treinadores mais experientes e fomos rotulados de velhos, superados, não atualizados. Uma mentira muito grande. É bom ter idade, ser vencedor. E todo ano viajo para fora do país, vejo as coisas que acontecem por lá, busco conhecimento. Trabalhei com jogadores que estão espalhados pela Europa, então toda vez faço visitas, converso com os treinadores deles, busco trazer algumas novidades. Mas não aconteceu só comigo. O Vanderlei (Luxemburgo), o Felipe (Scolari), o Mano (Menezes) também ficaram sem espaço num momento e agora retornaram.

Muitos disseram, por exemplo, que o Felipão estava velho, ultrapassado nesse retorno, e ele vem se destacando no Palmeiras, apesar da queda na Libertadores. Aos 70 anos, você vê, ou sente discriminação com os treinadores com mais idade?

Até trato como uma coisa natural, mas não serei hipócrita, sofremos muita discriminação, sim, todos os dias, por causa da idade. Contudo, estou vendo muito treinador chamado de velho se destacando. A nova geração tem muitos bons técnicos, mas temos a experiência, o conhecimento técnico. Essa é nossa vantagem, a facilidade de gestão de grupo, já conhecemos como lidar com jogadores. Para eles da nova geração, o que é novidade, já passamos três, quatro vezes. Sabemos administrar, se fizermos errado, já sabemos como agir, já aprendemos e temos essa vantagem. O Felipão está bem, o Mano, o Dorival Júnior agora no Flamengo, o Cuca no Santos… Todos estão bem. A discriminação está em todas as profissões, só cientistas não ficam ultrapassados, na verdade até acham os mais velhos, melhores. Mas os clubes estão dando chances aos treinadores mais maduros e estamos mostrando coisas boas.

Em 2003 você perdeu do Juventude por 6 a 1 e disse que o Corinthians jamais poderia ter levado uma surra como aquela. Essa foi a maior decepção de sua carreira?

Lógico que ninguém quer levar de 6 a 1, ainda mais com um time como o do Corinthians, que vinha do título paulista. Não admiti aquele resultado, tanto que entreguei o cargo ainda no campo. Óbvio que vínhamos de um desmanche, tive de reformular o grupo, lancei Jô, Betão, Coelho, muita gente, acontece que não dá para aceitar uma derrota de seis. Mas a maior decepção da carreira veio num jogo contra o Corinthians, pelo Santos, que valia vaga na final do Paulistão (2001). Derrota por 1 a 0. Jogávamos pelo empate e mesmo com um a menos, estávamos com o controle da partida até aquele gol no último lance (aos 48 do segundo tempo). Nem sei se aquele gol saiu dentro do prazo (dos acréscimos). O Santos vinha de um jejum e eu podia entrar para a história do clube, pois na outra semifinal estavam Botafogo e Ponte Preta. Sem contar no uso do ponto eletrônico do Ricardinho, que eles admitiram anos depois. Coisa ilegal que nos dias atuais poderia dar um outro resultado ao jogo. A maneira como perdemos foi decepcionante.

E qual a maior injustiça pela qual passou no futebol?

Não posso dizer que tive experiências consideradas injustas. Fiquei bem chateado com minha última saída do Atlético-PR. Uma vez cheguei para livrar a equipe do rebaixamento, restando 12 partidas e tendo de ganhar 10. Salvamos com campanha perfeita, muito boa. Desta vez, saí com 84% de aproveitamento, um absurdo (83,3% para ser exato, com oito vitórias, um empate e uma única derrota). E sem mais nem menos. Pensaram: 'vamos trocar', e assim fizeram. Fui demitido antes de um clássico. Faz parte ser dispensado, mas a maneira como foi, magoou. Decidiram a troca na sexta-feira, antes do clássico de domingo. Acabei dirigindo o time, ganhando (3 a 2 sobre o Paraná) e dispensado. Essa é a única coisa negativa que tive.

Você fez bons trabalhos por onde passou. Por que não deu certo no milionário Corinthians da MSI?

Foi complicado, eram muitos problemas administrativos, um time dividido com duas administrações. Já vi guerra entre situação e oposição. Mas lá era oposição da oposição e da situação. Tinha muita divisão no grupo, ciúmes, bobeiras. Era muita cobra num só balaio. É difícil implantar algo onde vários não aceitavam trabalhar em equipe, ser coeso, focado… E dividido não se chega a lugar algum.

Como viu as eliminações de Grêmio e Palmeiras na Libertadores?

A surpresa para mim foi a queda do Grêmio, mas antes da primeira rodada (ida das semifinais) achava que os dois tinham boas condições de passar. Depois de o Grêmio ganhar fora, sabendo da força dele no Sul, com o apoio da torcida, o Renato cumprindo bem o seu papel, foi surpreendente. O Palmeiras eu achava mais difícil pela derrota fora e a dificuldade diante da escola argentina. O Boca é copeiro, sabe jogar. Sem contar que o Palmeiras não fez bons jogos, nem lá, nem aqui. E não merecia passar. Pelo plantel que tem, a qualidade, era pra sobrar. Mas se destacou só pela luta, tinha de fazer mais, se superar.

Deixar portas abertas nos clubes é um lema seu, por isso o retorno em muitas casas. Qual time você tem saudades e gostaria de voltar a trabalhar?

Difícil falar de apenas um local de trabalho. Se escolho um, vou magoar outro. Em muitos clubes passei duas ou até três vezes. Tenho carinho maior por esses que voltei mais vezes, pois nos apegamos mais, criamos laços afetivos.  Passei por Sport e Náutico, Guarani e Ponte Preta, Goiás e Atlético-GO, Corinthians e Santos, Vasco e Botafogo (todos rivais estaduais) e sempre convivendo de uma maneira excepcional. Só posso dizer que não tenho inimigos no futebol.

Há algum time que você gostaria de ter trabalhado e não teve oportunidade?

Tive a chance e a culpa foi minha de não ter trabalhado no Flamengo. Não quis largar o Atlético-PR no meio de uma decisão (perdeu o estadual de 2008 para o Coritiba), quando o Joel Santana foi para a seleção da África do Sul (mês de abril). Tive um convite firme, formal, vantajoso, para assumir direto e pedi um tempo para as finais. Eles não podiam esperar.

Tirando essa frustração, está realizado na carreira, ou faltou algo?

Estou realizado, foram muitos títulos treinando, fui campeão na maioria dos clubes, talvez seja o técnico que mais subiu times para a Série A, tive o luxo de treinar clubes grandes como Corinthians, Santos, Atlético-MG, Vasco, Botafogo, alguns por duas vezes, não posso reclamar, profissionalmente só tive coisa boa.

Você se tornou treinador por acaso, com 36 anos. Se arrepende de não ter seguido a carreira de advogado?

Era um sonho, mas não me arrependo. O futebol me deu muita coisa boa, conheci pessoas maravilhosas. É uma profissão diferente, com trajes mais ventilados, sem precisar ficar o tempo todo num escritório fechado, de terno, fico num campo aberto, com natureza, trabalhando para pobres e ricos, tratando com a emoção. Pensava em largar o futebol antes de virar técnico, porém dei sorte e com dois anos treinando já estava em Portugal, no Vitória de Guimarães. Com um ano cheguei ao Santos. As portas se abriram rapidamente.

Por falar em início de carreira precoce, hoje surgem técnicos cada vez mais cedo. Qual sua dica para os jovens treinadores?

Que tenham paciência. E a profissão exige, pois passamos muitas situações que levam ao desânimo. Tem de ter muita perseverança e gostar muito de futebol. Temos alegrias, mas sofremos bastante pressão, injustiças, críticas nas análises do trabalho. Tem de saber assimilar e respeitar as críticas.

 

ENTREVISTA FEITA PELO JORNALISTA FÁBIO HÉCICO

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.