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Ney Franco: "Foi muito injusto sair pela porta dos fundos do São Paulo"

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21/11/2018 10h47

Reprodução: Goiás

Ney Franco passou os últimos dias nos Estados Unidos curtindo com a mulher e os dois filhos, que moram no país, a volta vitoriosa ao futebol brasileiro. Depois de recusar duas propostas para assumir o Goiás, o treinador finalmente aceitou o convite dos dirigentes do Esmeraldino e, seis meses depois, ri à toa com o ótimo trabalho realizado para reconduzir "o maior time do Centro-oeste" à elite nacional. Ney Franco assumiu uma desacreditada equipe na zona de rebaixamento, afundada na crise, e com uma rodada de antecedência festejou o tão sonhado acesso após 3 a 1 no Oeste.

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Enquanto matava saudade da família, atendeu o blog para falar de sua proeza com o time goiano, dos ousados planos da carreira – "quero ganhar uma Libertadores e dirigir times internacionais", colocou um ponto final definitivo em um atrito antigo com Rogério Ceni, a quem agora é só elogios, descartou o rótulo de "especialista em acesso", apesar de também já ter conduzido o Coritiba à Primeira Divisão, e revelou que a demissão no São Paulo foi a grande injustiça na vida. "Meus números foram muito bons e eu não devia ter saído pela porta dos fundos".

Você assumiu o Goiás afundado na crise e lutando contra a queda para a Série C. Não apenas o salvou como ainda o levou de volta à elite. Qual o significado dessa conquista?

Um significado enorme para o lado pessoal. Sensação de dever cumprido. Tenho de curtir o trabalho bom que foi feito. Cheguei com uma proposta de união do grupo, disposto a recuperar alguns atletas pouco utilizados num clube com estrutura de Série A, o maior do Centro-Oeste, mas que vinha de três anos de insucessos, e tudo deu certo, com acesso com uma rodada de antecedência. A satisfação é enorme pelo dever cumprido.

Quando acertou com o clube, sinceramente, imaginava conseguir tamanha proeza?

Imaginava o acesso, sim. Sabia das dificuldades, mas se não acreditasse em algo grande, não tinha motivos para sair de Orlando. Não podia só pensar em salvar o Goiás. Apesar de o time ter somado só dois de 21 pontos possíveis no começo, cheguei confiante, e foi uma prova pessoal gratificante. Foi a terceira vez que o Goiás tentou minha contratação. Em 2010 eu liderava com o Coritiba na Série B e preferi não sair. No fim de 2015 estava mudando para Orlando e o clube, ao lado do Vasco, me procurou. Não acertei. Agora, estava querendo voltar. Fui para o Sport em um momento errado em 2017 e não podia dar outro tiro errado. Percebi que a equipe tinha condições, que era o lugar certo para montar um trabalho diferenciado. Foi uma decisão acertada.

Após a vitória do acesso (3 a 1 no Oeste) você elogiou bastante os jogadores. Mas qual o tamanho da sua contribuição nesse acesso?

Ela é do mesmo plano dos atletas, que são a parte principal do projeto. Se eles não evoluem, a máquina não funciona. Óbvio que tem de ter um treinador e uma comissão e meu papel foi bem feito na parte técnica, tática e, principalmente, na emocional. Fizemos o grupo acreditar que era possível, a prova vem dos números do segundo turno. Temos a melhor campanha, num trabalho fantástico. Trabalhamos bem, assim como o Felipão faz no Palmeiras, o Mano Menezes no Cruzeiro, o Rogério Ceni no Fortaleza. A pressão pelo acesso era grande, se não subisse, a cota de televisão cairia de R$ 34 milhões para apenas R$ 6 milhões. Isso mexe com a cabeça. Existia o medo (no clube) de ter de demitir funcionários por causa da redução do orçamento. Pelas circunstâncias, trabalhamos muito bem, os jogadores corresponderam, não tivemos atos de indisciplina.

Com o dever plenamente cumprido, com uma rodada de antecedência, o que planeja para o futuro?

Primeiramente, fizemos um pacto com o presidente de não conversar sobre renovação antes de uma definição do acesso. Agora vamos escutar o que o presidente tem para falar, qual é o interesse do clube, pois os estaduais começam logo, no dia 20 de janeiro. Minha vontade é a de regressar (dos EUA) para renovar.

Você já havia subido com o Coritiba na Série B. Se considera um especialista em acessos?

Foram dois trabalhos de Série B bem realizados, mas não tem essa de especialista. Estou preparado para dirigir qualquer time de Série A e não quero carregar essa pecha. Me considero recompensado, ajudei dois grandes a subir e os números estão na história, um deles com o título. No Goiás, participei na luta pelo regresso com sucesso, pois na nona rodada o time era o 19° colocado e conseguimos arrancada incrível.

O Goiás tinha um time com muitos jovens. Para o retorno à elite precisará se reforçar muito?

Fomos colocando experiência ao longo da competição, no gol, na defesa com Victor Ramos, Ernandes, David, Alex… Gilberto, Giovanni e (Renato) Cajá no meio. O Lucão, na frente, um cara rodado. Os jogadores mais cascudos nortearam o time.  O Goiás com uma base pronta e boa.

Você fez ótimos trabalhos em diversos clubes, ganhou taças no Flamengo, Botafogo, Coritiba, seleção Sub-20, mas talvez nunca recebeu o devido valor. Se sente injustiçado no futebol?

Acho que tenho apenas uma injustiça: a demissão no São Paulo. Meus números foram muito bons (59% de aproveitamento) e eu não devia ter saído pela porta dos fundos. Peguei o time em 16°, tumultuado, e terminamos em quarto. Após quatro anos, voltamos à Libertadores, ainda conquistamos a Copa Sul-Americana (2012). Infelizmente não fizemos boa campanha na Libertadores. Se não realiza coisa boa, tem a crítica, ainda mais num grande como o São Paulo. Esse desempenho ruim na competição mascarou o trabalho bom. Meu nome é pouco citado na história do clube, você não se sente valorizado. Por causa disso digo que foi uma injustiça.

Foi, então, sua maior frustração, mesmo sendo o último técnico campeão com o São Paulo?

A maior, sim. Porque cria-se uma imagem negativa. No São Paulo você tem muita visibilidade e as impressões jornalísticas ruins ficam no consciente de quem lê. Mas também deram força para uma volta por cima. Depois, fiz excelente trabalho no Vitória, fomos quinto no Brasileirão, maior resultado de um time do Nordeste.

Na época, você se desentendeu com Rogério Ceni, que interferiu no seu trabalho (pediu substituições num jogo da Sul-Americana contra a LDU de Loja). O ex-goleiro que te derrubou?

Claro que não. Foi um problema na Sul-Americana, fomos campeões e aquilo não teve resquício. Depois disputamos outros campeonatos. Tive minha postura, ele entendeu, conversamos internamente. (A atitude do goleiro) Não foi determinante para minha saída.

Sua estreia no Goiás foi justamente diante do Fortaleza de Ceni e ele tomou a iniciativa de abraçá-lo. Aquela briga do passado se resolveu ali, ou ainda tem ressentimentos?

É um problema superado. Antes daquele jogo já havíamos conversado, nos acertado, fizemos curso juntos em Teresópolis. Esse papo tem de ser esquecido. Rogério está fazendo um trabalho de excelência no Fortaleza, foi campeão merecidamente, é mais um grande treinador no nosso futebol. Vamos apagar o passado.

Mas você reclamou abertamente  na época das interferências do Rogério Ceni até na parte diretiva. Hoje, mais maduro, lamenta ter exposto aquele atrito?

Eu tinha de me posicionar, mostrar postura. Mas já está tudo superado. Bola para frente.

Você teve uma passagem relâmpago no Flamengo em 2014 (sete jogos, com três empates e quatro derrotas). O que deu errado naquele trabalho?

Fiz uma primeira passagem muito boa no Flamengo, que trocava de comando de três em três meses e fiquei um ano e três meses. Fomos bem na Copa do Brasil, ganhamos o Carioca. Dessa vez, chegamos no meio da temporada, com resultados ruins, pegamos um time com incertezas políticas, o (Eduardo) Bandeira (de Mello, presidente) não tinha a autonomia que tem hoje, e tinha de acertá-lo na parada da Copa. Cheguei e queriam dispensar alguns jogadores, o Felipe, o Elano e o André, lateral-esquerdo, e eu banquei a permanência deles. No retorno tivemos dois insucessos e não ter ganho deixou a situação insustentável num clube com vários grupos políticos. Fosse só o Bandeira, como é hoje, poderia ter continuado e colocado o time nos trilhos.

Desde então, não assumiu mais um clube grande. Sente saudades de trabalhar nos gigantes do país?

Sinto saudades. Disputei Libertadores  com Flamengo e São Paulo, que ainda teve a Sul-Americana, assim como o Botafogo. Estar nos grandes clubes significa disputar grandes competições internacionais. Foi assim também com a seleção (sub-20). Causam satisfação. Mas em times menores você tem o trabalho sob controle, não precisa da massa para desenvolver futebol. Vale pelo bom ambiente.

A geração de novos treinadores começou o ano em alta, mas 2018 está terminando com redenção dos técnicos mais experientes. Há uma explicação para isso?

Não precisávamos dessa discussão. Não acho muito inteligente descartar nomes como o de Luxemburgo, Felipão, Geninho, Givanildo, que está de volta para tentar salvar o América-MG. No Brasil todos acham que estão velhos. Nos Estados Unidos, o treinador com 60, 65 anos, é mais respeitado devido sua experiência, já no Brasil estão tentando aposentá-los. Há espaço para todos, estando com saúde mental e física. Veja o Uruguai, faz belo trabalho com um treinador experiente (Óscar Tabarez, de 71 anos). Esse questionamento foi uma onda, mas tem espaço para todos, desde iniciantes, o meio termo, como eu, até os experientes como Felipão, Geninho.

Em 2016 você se mudou com toda a família para os Estados Unidos para estudar. Aí montou uma academia de futebol (Ney Franco Soccer Academy). O projeto ainda existe? Está funcionando?

Existe, sim. Por isso estou aqui. Em 2016 vim para cá para focar nos estudos, aprimorar o inglês. Mas cheguei e vi perspectivas de negócios movidos pelo meu currículo, a família se adaptou rápido e ainda adquiri o Green Card por habilidade extraordinária. Pude ajudar no desenvolvimento do Soccer nos Estados Unidos, paralelamente aos estudos. É um projeto de intercâmbio que levará jovens à faculdade. Começamos com 12 alunos e agora temos 70. Ainda fizemos parceria com a Flórida Cup, ano que vem teremos o Flamengo e o São Paulo por aqui e realizaremos jogos de veteranos, com times acima de 38 anos e acima dos 50.

Está distante da família ou eles voltaram também quando se acertou com o Goiás?

Eles (mulher e o casal de filhos) ficaram aqui. Acertei com o Goiás no meio da temporada (em maio) e optamos por manter as crianças na escola até fechar o ano. Em 2019 vamos ver o que acontece. Se eu permanecer no Goiás, a tendência é que voltem.

Como faz para matar a saudade?

Venho nas folgas. Como voltei ao Brasil em maio e as férias escolares são entre junho, julho, até 18 de agosto, eles voltaram também para resolver esse probleminha. Em toda brecha estão retornando. E fui para lá três vezes.

Aos 52 anos, com títulos e trabalhos expressivos no currículo, você ainda tem um grande sonho no futebol?

Tenho sonhos enormes. Na seleção de base já conquistei Sul-Americano, Mundial, competições internacionais, revelei nomes como Neymar, Philippe Coutinho, Casemiro, Danilo, Dudu… Sonho em conquistar a Libertadores, se esse título viesse seria uma credencial para voltar à seleção. Particularmente, gostaria de dirigir equipes internacionais. Tive convite do Atlético Nacional, hoje uma das grandes forças da América do Sul, mas tinha de deixar o Goiás no meio do trabalho e não quis. Mas fiquei impressionado como conheciam (os dirigentes do clube colombiano) meu currículo. Mais do que muitos clubes brasileiros. Sabiam tudo o que fiz no Atlético-MG, no Cruzeiro, na seleção, a conquista com o Ipatinga… Isso me enche de orgulho.

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.