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O dia em que Galvão me fez chorar

Menon

27/12/2018 12h27

A eleição do UOL junto a jogadores de futebol mostrou Galvão Bueno como o melhor narrador do Brasil. E o pior também. Nada a estranhar. É normal que o principal narrador, há quase três décadas, da rede com índices fortíssimos de audiência, cause amor e ódio. Empatia e antipatia.

Eu gosto da voz do Galvão e não gosto do Galvão porta-voz. A voz do Brasil pode ser agradável ou muito chata. Afinal, é, convenhamos, impossível que todos os árbitros errem sempre contra o nosso querido Brasil varonil.

Mas, eu já me emocionei com Galvão. Em um dia em que se mostrou jornalista com três Jotas Maiúsculos.

Em 1995, eu trabalhava em A Gazeta Esportiva e fui cobrir a Copa América no Uruguai, juntamente com Fernando Galvão de França. Telmo Zanini tinha uma coluna na Gazeta e trabalhava na Globo. Também estava lá. Através dele recebi um convite para acompanhar a equipe da Globo, que havia sido convidada para um churrasco na casa do prefeito de Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai, onde a seleção estava concentrada.

É possível tirar uma foto com um pé no Brasil (Livramento) e outro no Uruguai (Rivera). Nas duas cidades, é possível comer o Riveli, doce que homenageia a conurbação. (Obrigado, Carlos Henrique Bacci Símon, por me ensinar essa palavra).

Fomos lá. Estava com o Fernando, Telmo, Roberto Thomé e Tino Marcos. A atração da noite era Galvão Bueno, evidentemente. Onde ele está, é sempre assim. Com justiça.

Eu até me lembro de uma viagem em que houve forte turbulência no avião, totalmente tomado por jornalistas. Estava ao lado de Jota Matheus, narrador da Rádio Paiquerê, de Londrina. Lívido, mas coberto de razão, disse "se esse avião cair, morre todo mundo e só vão lembrar do Galvão. Precisamos escapar".

Bem, voltando à festa, alguém perguntou a Galvão, como havia sido a experiência de narrar, no ano anterior, a corrida de San Marino, no autódromo de Ímola. A corrida em que Ayrton Senna morreu.

A relação de Senna com Galvão não era apenas de piloto e jornalista. Eram amigos, como não devem ser a fonte e o jornalista. A meu ver, é claro.

E Galvão praticamente narrou a morte do amigo. Como foi possível?

Galvão contou ao prefeito. E a todos nós. Disse que, imediatamente ao choque de Senna no muro de concreto, veio a quase certeza da morte. E que ele apenas chegou ao final da prova graças a alguém da retaguarda (não sei quem) que  ficou falando de forma ininterrupta no seu ponto frases como: "você consegue, Galvão", "falta pouco, Galvão", "vamos, Galvão", "firme, Galvão", "em honra ao Ayrton, vamos até o fim".

Ele foi até o final. Foi jornalista, trouxe informação. Sofrida informação.

Da pista, Galvão pegou um helicóptero e foi até o hospital. Não me lembro se a morte de Senna estava confirmada. Ao chegar, encontrou Gerhard Berger, o piloto austríaco, amigo dos dois.

"Galvão, não entre no hospital. Aquele Senna que você conheceu não existe mais."

O acidente havia deformado totalmente o rosto do campeão. Do amigo de Galvão.

Ele entrou? Não me lembro do fim da história. Já faz 23 anos. O que nunca vou me esquecer é que naquele dia o jornalista Galvão Bueno me emocionou muito mais do que nós títulos que narrou. Até chorei.

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.