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Menon

O tamanho do Corinthians

Menon

20/03/2019 09h30

Meu amigo Moacyr, o Engenheiro Pinduca, não acredita em alma, mas é corintiano até a alma. Ele me recomendou um texto de Rafael Castilho, publicado no Facebook.

Eu reproduzo aqui:

Quero falar sobre as declarações do senhor ministro Paulo Guedes. Mas antes, se faz necessário dizer algumas coisas. Gostando ou não, são necessárias.

Toda vez que se discute o papel social, político e até mesmo simbólico que o Corinthians exerce na sociedade brasileira, para muito além das quatro linhas, cria-se uma polêmica.

Há quem prefira enxergar o Corinthians como um clube de futebol, e pronto.

Há quem deseje ver o clube se tornando uma empresa. Há quem torça para o Corinthians como se o clube fosse uma mera grife, desprezando, ou mesmo ignorando o seu papel social e histórico.

Costumo dizer o seguinte: torcer para o Corinthians não envolve predileção partidária alguma. O Corinthians não está vinculado à nenhuma filiação política. O Corinthians é plural e diverso como o próprio Brasil. Conheço grandes Corinthianos com diferentes matizes ideológicos, ou até mesmo sem ideologia alguma.

Conheço bastante gente que tem como ideologia o próprio Corinthians em si mesmo (e pra minha surpresa, com o passar dos anos, vejo até algum sentido nisso). Conheço até corinthiano com visão de mundo anticorinthiana (dá pra entender?).

Talquei, não que eu concorde, a pessoa pode até torcer para o Corinthians e ter uma visão política menos progressista. Mas tem uma coisa, não dá para deixar de considerar ou rejeitar o que é a história do Corinthians. O papel que o Corinthians exerceu, e ainda exerce, como instrumento de inserção e representação simbólica das camadas mais populares na sociedade brasileira. A capacidade que o Corinthians tem de dar protagonismo a quem não tem. De dar voz a quem não tem. De dar vitórias a quem só perde. De dar participação a quem é sempre excluído.

É só olhar para a formação social da cidade de São Paulo. Mesmo sendo o maior clube da cidade, o Corinthians não se chama São Paulo, como o Barcelona é o Barcelona, o Manchester é o Manchester, o Madri é Madri, etc. O Corinthians é o Corinthians porque ele é uma espécie de lado B da nossa sociedade. O Corinthians é o Corinthians porque nós somos uma outra cidade dentro da cidade, um outro Brasil dentro do Brasil. Por isso somos quase sempre o clube dos retirantes, dos refugiados, dos ignorados, dos sufocados. O Corinthians se fez como clube dos invisivibilizados. De quem nunca tem vez.

Quem não concorda muito com essa interpretação pode então apenas olhar com alguma atenção o que foram os primeiros anos de formação do Corinthians. Como ele se insere num esporte dominado e controlado pela oligarquia local. Basta olhar como ele foi absolutamente excluído por essa oligarquia e como foi expulso da entidade que organizava o futebol ao ganhar seu primeiro título. Como o Corinthians quase deixou de existir em 1915. O que está registrado na ata das reuniões do clube naqueles anos. Aliás, foi justamente nesse primeiro momento em que tivemos a nossa primeira taça de campeão penhorada para pagar as dívidas de uma sede social nova. Um presidente emocionado, dizendo aos prantos que fez tudo isso porque os ricos queriam humilhar o Corinthians. Porque viemos de um bairro humilde. Porque não conseguiam vencer o Corinthians nas quatro linhas, então precisavam nos excluir. Que precisávamos de uma sede mais bonita para sermos respeitados. E outros tantos sócios rebatiam o presidente dizendo que deveríamos ter ficado no Bom Retiro e ter assumido quem somos. Nada muito diferente de alguns dos debates que temos até hoje entre nós.

O fato é que até hoje funciona assim. Os campeonatos que ganhamos não tem validade, ou foram roubados. Todas as nossas conquistas materiais e desportivas são desmerecidas.

O corinthiano pode ter a visão política que quiser, mas não pode fechar os olhos para a história. Não pode deixar de enxergar que entre 1955 e 1977 foi o período em que a torcida do Corinthians mais cresceu. Justamente no período sem títulos do Corinthians. E por quê? Foi milagre? Não, fiel, milagre algum. Esse também foi o período em que esta cidade mais crescia. E porque os milhões que aqui se acumulavam em vilas e favelas não escolheram algum outro clube que era um ganhador de títulos para torcer e se associar às vitórias? Porque era o Corinthians que tinha correspondência com a vida vivida por essas pessoas. A vida dessas pessoas também era repleta de sofrimento e privações. Porque eles viviam nesse Lado B da cidade de São Paulo. Eram a face sufocada dessa sociedade. O grito sufocado de um povo.

E o papel que o Corinthians cumpriu na redemocratização do Brasil? O mundo hoje reconhece o papel, a importância, a coragem da Democracia Corinthiana.

Repetindo. O Corinthians é diverso e plural. Abriga diferentes modos de pensar. Diferentes visões de mundo. Ainda bem! Porque no coração dos Corinthianos há o desejo de liberdade. Liberdade pra você! Somos espíritos livres!

Mas, meu amigo, não dá pra virar as costas para o caráter popular do Corinthians. O papel histórico que ele cumpre.

E ao nos depararmos com essa declaração canalha do Ministro Paulo Guedes, que vocês devem ter visto nos jornais, dá pra ter uma real dimensão de como o Corinthians continua incomodando as nossas elites e como essas elites continuam, mesmo depois de um século, tentando destruir o nosso clube formado por trabalhadores humildes.

Querer usar o estádio do Corinthians como exemplo de improbidade na administração pública é de enorme indecência e de imperdoável desonestidade.

Primeiro porque dos estádios construídos para a Copa, talvez o único que seja efetivamente viável. O único estádio que, com todos os problemas, é um exemplo de sucesso. O único que tem sido usado em sua plena capacidade e mais, o único que tem sido pago pela iniciativa privada é o estádio do Corinthians.

Aliás, nossos detratores deveriam escolher a sua versão dos fatos. Ou dizem que nosso estádio foi dado de presente, ou dizem que não conseguimos pagar e que vamos perder o estádio. As duas versões não batem.

Senhor ministro, se tem um estádio que tem sido sacrificantemente pago é o do Corinthians. E tem mais, pagar a dívida desse estádio só é algo tão difícil porque os custos financeiros são exorbitantes, fruto dessa política de juros desse país que enriquece os banqueiros que você tanto defende e que escraviza a sociedade. Além do mais, carregamos nas costas os custos do palacete que teve de ser construído em determinado setor, para receber chefes de Estado, por ocasião da Copa do Mundo. Sendo assim, o Corinthians assumiu de maneira privada um custo que era da cidade de São Paulo e do Brasil.

O senhor se valer do estádio do Corinthians para falar de improbidade é de imensa cara de pau. Um país em que as elites sempre entregaram o nosso futuro em negociatas nas caladas da noite. Que entregaram e que continuam entregando a alma da nossa gente. Que escravizou a população negra. Quer maior indecência do que essa?

O senhor falar que o Corinthians rouba pênaltis em seu estádio? Ora, nos banquetes que o senhor participa pra entregar de bandeja nossas riquezas, tem sido falado dos milhões de brasileiros que tiveram roubadas as suas vidas e que se acumulam vivendo em condições desumanas? A miséria te comove tanto quanto um pênalti dado para o Corinthians? Ao que parece não, tendo em vista o aumento do desemprego, a quebra de direito dos trabalhadores desse país.

O estádio do Corinthians é exemplo a ser usado em suas palestras para falar das contas públicas? E o que esse país paga de juros por ano para os banqueiros? Daria pra fazer uns quinhentos estádios de Itaquera todos os anos.
Aliás, sua equipe tem algum estudo para analisar o impacto econômico do estádio para a região leste da Cidade de São Paulo, tão carente de infraestrutura e de oportunidades? O fomento do setor de serviços? O senhor sabe chegar em Itaquera? Já esteve alguma vez no bairro?

Que não vá! O clube lamentavelmente lhe convidou para conhecer o estádio, mas lhe desconvido. Não vá!

O senhor se incomoda com juiz ladrão? Mesmo? E com o papel das milícias na exploração do povo pobre, se aproveitando da ausência do Estado tão cara aos neoliberais como o senhor? E com as denúncias de execuções de vidas humanas realizadas por essas milícias, o senhor também se preocupa? Ou está mais preocupado em detratar o Corinthians?

Não eximo aqui eventuais responsabilidades internas do Sport Club Corinthians Paulista na construção do nosso endividamento. Porém, o senhor tão reconhecido por liderar o núcleo entreguista desse governo (se é que existe um núcleo que não seja), e que pretende entregar o Brasil de bandeja, não tem condição alguma de falar do nosso Corinthians.

E você, meu irmão corinthiano, esse episódio serve para que você nunca duvide do tamanho do Corinthians! Do espaço que o Corinthians ocupa nessa sociedade e quais são as forças que se organizam desde 1910 para destruir o Corinthians.

Porque não somos só um clube de futebol.

Somos o orgulho do nosso povo. Somos a autoestima da nossa gente. Somos a consciência de classe possível nos nossos dias. Somos a coluna vertebral do povo sofrido.

O Corinthians é um símbolo da vitória de um povo. E quem estudar um pouquinho de história, haverá de entender que os símbolos tem poder!

 

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.