Ainda sobre o titês: falar só de futebol é diminuir o...futebol
Após o empate com o Panamá, discutiu-se muito o modo Tite de falar. O treinador, que no Corinthians, usava termos como jogabilidade, vem radicalizando no dialeto. Quanto mais lê e estuda, acrescenta ao seu vocabulário termos táticos vindos de livros e manuais. E alguns jargões do mundo corporativo, como "performar". Talvez nos próximos jogos, sejamos brindados com algo do tipo: "a torcida precisa realizar que quanto mais ela nos suportar, mais o time vai performar".
Muita gente acha que o titês não é assunto jornalístico. Que o que interessa é falar sobre futebol. Ora, sinto muito informar, mas futebol não é só isso. Futebol é muito mais que pirâmide invertida, muito mais que losango com vértice baixo ou alto, muito mais que punta escorado, quarto-zagueiro, meiúca, externo desequilibrante ou ponta que faz uma fumaça. Futebol é um fenômeno social, é uma paixão mundial e limitá-lo a esquemas táticos é diminuir sua importância.
Dentro deste aspecto maior, há muitos aspectos a serem abordados. Há muita pauta a ser feita. Uma delas é a linguagem. O treinador da seleção brasileira de futebol explica um empate vergonhoso com uma linguagem que não é entendida pelo brasileiro médio, apaixonado por futebol. Ora, dizer que isso não é importante, é diminuir o futebol. E o jornalismo. Um pacote envolvido com arrogância: se você não gosta desta linguagem é porque você não a entende, não está à sua altura, não sabe o que é futebol. E está criada a seita. Eu escrevo e falo para os meus pares, os que entendem de futebol. O resto gosta de futebol, mas não entende. Outra pauta: João Saldanha caiu porque o time estava mal ou por haver denunciado tortura no Brasil. Olha a linguagem aí. Olha o futebol sendo mais que futebol.
E o que diz a linguagem de Tite? A mim, o recado é claro. É um treinador que estuda muito, que lê muitos livros, que participa de congressos técnicos, que acredita na ciência a serviço do futebol e…que é refém de tudo isso. Ele criou o seu conceito, criou o seu modelo de jogo e é seu seguidor fanático. Como um desses pregadores que pululavam pelo sertão. A verdade está nos livros e ela o libertará. Eu vejo Tite falar e imagino Antonio Conselheiro.
Tudo tem que se adaptar ao seu conceito. Só se convoca quem estiver apto a se encaixar no seu modelo de jogo. O contrário, nem pensar, o conceito não vai se adaptar a um jogador. E também não se aceita um jogador diferente, que possa em determinado momento de jogo, subverter o conceito e surpreender o adversário.
A submissão ao conceito faz com que Luan veja a Copa em casa, pela televisão. E que Fred veja a Copa do banco de reservas, sem nunca entrar porque não tinha condição física de jogar.
Quando se pede para deixar o "titês" de lado e falar apenas de futebol, fica pior ainda para o treinador. Porque sua linguagem que demonstra um homem estudioso e escravo de um conceito esconde que o time está jogando mal. Desde a Copa. Durante a Copa e não depois dela. Em que jogo do Mundial, o Conceito (vamos usar assim, com maiúscula) surpreendeu os adversários? Nenhum. Ao contrário, foi surpreendido duas vezes, que eu me lembre: contra o México, que veio marcar saída de bola e deixou o Brasil sem sabr o que fazer e contra Bélgica, quando o time entrou com linha de quatro e não com três zagueiros. Surpresas que todo mundo sabia. Foram anunciadas antes. A pressão mexicana foi citada nos jornais do México, como uma arma que seria utilizada.
Honesto dizer que Tite reagiu muito bem nos dois casos. O Brasil venceu o México e fez um segundo tempo superior à Bélgica. Foi reativo à novidade. Mas a novidade era do lado de lá, não daqui. Aqui, era o Conceito.
Lembremos agora do jogo contra a Costa Rica. O time jogou com Navas no gol, linha de cinco, linha de quatro e um atacante sendo municiado por Brian Ruiz. O Brasil dominou o jogo e só conseguiu marcar no finalzinho. E como jogou o Panamá, agora? Do mesmo jeito, só que sem Navas. E sem Brian Ruiz.
Por que Tite não consegue fazer o Brasil superar um esquema superdefensivo? Interessante, é que ele sabe como. Recita um versiculo assim: contra linha de cinco, é preciso dois pontas bem abertos, para que a linha de cinco se espace e abra buracos no meio, prontos a serem aproveitados pelos meias. Ele sabe, mas não faz. E não é nada novo, convenhamos. Em 1965, o Palmeiras era um dos melhores times do mundo. A Academia, de Filpo Nunes, um argentino desconhecido. "Por las puntas, hay que jugar por las puntas", ele dizia. O esquema, ele dizia ser o pim pam pum, que me parece a formação de triângulos, o famoso jogo apoiado, ou ataque posicional.
Tite, com seu titês, seu Conceito e seu modo pausado de falar, é um grande treinador. Um dos melhores do Brasil. Mas, se fizermos uma lista dos cem maiores treinadores atuais do Brasil, pegarmos o centésimo e darmos a ele o comando da seleção, não será pior do que Tite fez após as Eliminatórias. Quando se fala em resultado, o Brasil foi pior com Tite do que com Felipão, embora eu prefira ser eliminado antes do que perder por 7 x 1. Quando se fala em desempenho, o time de Dunga em 2010 foi melhor.
O que deixa Tite imune às críticas ó fato de seus dois antecessores terem sido o Dunga das Eliminatórias e o Felipão do Grande Vexame. Ele vai mal, mas olha como poderia ser pior. Vamos apoiar Tite, senão o Dunga volta. É um discurso típico de bolsonarista arrependido, se os há. Tá ruim, mas tiramos o mal maior.
Tite e o Conceito continuam encantando serpentes. E nem precisa saber qual é a música que o indiano toca. Basta ouvir o titês.
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