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Menon

Parabéns, querida

Menon

14/07/2019 12h52


Vocês conhecem a linda música de Zezé di Camargo e Luciano?

No dia em que eu saí de casa
Minha mãe me disse
Filho, vem cá!
Passou a mão em meus cabelos
Olhou em meus olhos
Começou falar
Por onde você for eu sigo
Com meus pensamentos
Sempre onde estiver
Em minhas orações
Eu vou pedir a Deus
Que ilumine os passos seus

Quando eu saí de casa, há 50 anos, mamãe não disse nada disso. Ela não era de muito falar. Mas fez a minha mala e incentivou minha ida para Casa Branca. Eu poderia ter ficado em Aguaí ou ido para São João. Mas ela lutou para que fosse estudar e Casa Branca, opção que considerava melhor.
E os versos seguintes da canção?
Eu sei que ela nunca compreendeu
Os meus motivos de sair de lá
Mas ela sabe que depois que cresce
O filho vira passarinho e quer voar
Os dois primeiros não servem. Os dois últimos refletem muito bem o que ela pensava.
Fechava com a gente em tudo. Não questionava nada. Mesmo quando era evidente que minha escolha pela Engenharia era um grande erro, ela estava comigo. Foi até na minha formatura, algo totalmente dispensável.
Mamãe era muito tímida. Eu me lembro dela, com mais de 60, chorando por não ter coragem de discordar da mãe dela. Mas, quando se tratava dia filhos, tornava-se uma onça. Enfrentou o sogro quando bateu no meu irmão.
Apesar da timidez, ela enfrentou todas as vicissitudes. Ficou viúva aos 43, quase perdeu o filho mais velho quando tinha 48, mas foi à luta. Levou por anos a filha mais nova para fisioterapia em São Paulo. Fez empréstimo, pagou faculdades, fez faculdade para ganhar um pouco mais, dobrou horário. Guerreira.
Foi por meio dela, que comecei a ler muito. Além do Monteiro Lobato, me afundei em literatura barata: Querida, InTerValo, matérias sobre Miss Brasil.
Hoje, eu tenho um grande arrependimento. Gostaria de ter conversado mais com ela, ter sido mais carinhoso. Vinha para Aguaí, saía pra rua e ficava na televisão. Ela vinha conversar e eu respondia. Pouco prolixo.
Nunca perguntei como foi o susto no dia da casamento. Estava tudo pronto e ela teve uma crise de apendicite. Seria uma grande história, saber dos detalhes todos…
E a Guerra? Quando acabou, ela tinha 16 anos. Era assustador? Os descendentes de italianos, como ela, sofriam preconceito.?
Qual seu cantor preferido? Ela praticava esportes?
Como era a paquera naquela época?

Sobre isso, ela me contou duas histórias. Um rapaz foi bater na casa dela e meu avô apareceu com um facão. O cara voou em desabalada carreira. Teve um outro que levou um fora e lhe mandou carta. Ela abriu e tinha apenas um enorme ponto de interrogação.
Por que tia Vanda e tia Geni não casaram.. Vó Stela não deixou?.
Um dia, ela me contou que passou um carnaval maravilhoso em Orlândia. Tenho vontade de ir lá, visitar parentes que nunca vi e descobrir o que a fez tão feliz.
Penso em perguntar para o primo Adirley e para a Virma (com erre mesmo) como ela era.
Queria refazer contato, preencher lembranças. Queria não ter sido ausente. Queria escrever uma carta linda, queria preparar uma festa inesquecível para os seus 90 anos.
Não dá mais. Ela se foi com 69


Fica a saudade. Nem comendo manjar branco ou brachola, eu consigo minorar.
Parabéns, dona Myrian.
E pingue-se o ponto.

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.