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Telê me ensinou a bater falta. Ou melhor, tentou me ensinar

Menon

09/04/2014 06h36

Ele foi paciente. Muito mais do que com os jogadores. Foi didático como era com todos. Mostrou, na prática, como se faz. Era assim com todos, por que não seria comigo? A persistência é que foi menor. Tive três oportunidades – muito menos do que os craques – para fazer. Não fiz. Fui dispensado.

Voce é canhoto ou destro?

Destro

Então, fica com a perna esquerda à frente, a um metro e meio da bola, na diagonal, entendeu?

Sim, senhor.

Isso, concentra, dá um passinho com a esquerda, dá um passo grande com a direita. A bola tem de subir e passar aqui, no segundo homem da barreira.

Decorei tudo.

E ficamos lá, eu, a bola, o Velho e a barreira de madeira.

Primeira tentativa: no peito do jogador de pau

Segunda tentativa: no estomago do jogador de pau.

Terceira tentativa: quase no pé do  jogador de madeira.

Olha, você não tem jeito, não. Vamos parar por aqui.

Que  novidade! Sempre fui péssimo, nunca fui o penúltimo a ser escolhido. Por isso, pedi a explicação sobre a falta. Ela veio depois de um outro ensinamento.

O que mais me deixa nervoso é quando o atacante está de costas e meu zagueiro faz uma falta. É um absurdo porque o cara fica de frente para o gol e com toda a chance de marcar. Eu fico com quatro ou cinco na barreira e os caras tomam conta da área.

Ele era assim: atento a detalhes. Não inventava, não falava difícil, futebol para ele era um jeito de se escalar os melhores e não complicar.

O Marcos Adriano está mal? Por que o senhor vai tirar ele?

Não está mal, não. Mas ele não é canhoto. Então, quando chega no fundo, tem de parar, entortar o corpo e se virar todo para acertar o cruzamento. Repara no menino que vai entrar. Vai no fundo e cruza direitinho, com a canhota.

Era André Luiz.

Não gostava de falta. Detestava volante que jogava sentado. Cruzamento e passe eram treinados à exaustão.

Com Cafu, não teve a paciência com que me brindou.

Cruza direito, Cafu

Você joga no São Paulo, não pode cruzar tão mal.

Cafu, o Falcão te convocou. Você vai errar desse jeito, ele vai falar mal de mim.

POR QUE O SENHOR NÃO TENTA ENTÃO?

Ele foi. Acertou um, dois, três, quatro,  acertaria mil se quisesse.

Cafu desabafou em voz baixa "o filho da puta é bom mesmo".

Ora, Cafu era só ter prestado atenção após os treinos. Ele ficava a vinte metros da cerca, onde estava pendurado um grande cesto. Chutava uma, duas, muitas. Acertava muito, errava pouco.

Um homem de princípios. Um dia, a sobrinha foi visitá-lo no Centro de Treinamentos. Ficou todo feliz, apresentava aos jornalistas. Essa é minha sobrinha, filha do Hervé. Ou seria Cordovê? Eu é que não me lembro.

Nem ligou de a moça haver levado um fotógrafo próprio. Tirou fotos abraçado,  ganhando beijo na bochecha.

Quinze dias depois, estava dando o treino de forma acabrunhada. Triste, irritado, envergonhado. As bancas de jornal haviam trazido como atração a sobrinha de Telê na Playboy. Nunca vi uma pessoa se sentir tão traída.

Gostava de resenha. Contava estórias e vivia repetindo o primeiro parágrafo do capítulo do livro O Sapo de Arubinha, de Mário Filho, que falava como ele, Telê, era tão atento ao jogo, tão compenetrado, que descobria aonde chegaria a reposição do goleiro adversário.

Contou como resolveu parar de jogar bola. Estava no Guarani, que recebeu o Santos de Pelé. Atento como sempre, marcava o Rei de perto e tentava se aproximar. A bola veio e ele deu o bote.

O desgraçado tinha olho no pescoço. Deu um toque na bola e ela foi subindo, subindo, pertinho do meu corpo. Muito perto e eu não conseguia tocar nela. Dei um pulo e não adiantou. Ela passou no meu cabelo, ele pegou do outro lado e eu vi que meu tempo tinha passado.

A resenha era depois do treino, sentado em um banco. Foi ele quem proibiu repórter de entrar em campo.

Aqui é para os craques, não é para vocês não. Ninguém vai atrapalhar a minha grama.

Cuidava da grama como um jardineiro obsessivo. Procurava "paquinhas" uma praga que estraga o palco dos craques.

Fui a Belo Horizonte entrevistá-lo para o Jornal da Tarde.

Todo mundo está com saudade do senhor.

Mentira, eu sou um velho chato e doente. Ninguém tem saudades não.

As palavras eram lentas. O olhar era parado, parecia ausente. O fotógrafo fez uma foto maravilhosa, o seu reflexo no espelho. Mostrava, com dignidade, a decadência física do Mestre.

Quando ele precisou cortar um pedaço da perna, eu chorei.

Quando fiz o obtuário dele, não. Já sabia da minha missão e escrevi bem antes do dia da morte.

Ficou aquela sensação de eu já sabia.

Não sou saudosista. Sei que é impossível ter havido escritores e músicos e jogadores de futebol apenas na minha juventude. Como se o mundo tivesse parado.

Mas é preciso dizer que naqueles anos os jogadores demoravam a sair do Brasil. Era possível um São Paulo (na verdade dois) com Zetti, Cafu, Vitor, Cerezo, Palhinha, Muller, Leonardo e Raí. Existia um Palmeiras com Antonio Carlos, Roberto Carlos, Evair e Edmundo. E outro, com Rivaldo, Muller, Djalminha e Luizão.

Era possível ver um Corinthians com Gamarra, Vampeta, Rincón, Ricardinho, Edilson e Marcelinho.

Pode-se chamar de saudosista quem teve a sorte de ver aquela geração toda do início dos anos 40 no auge? Chico, Gil, Paulinho da Viola e Caetano, cantados por Gal, Elis e Bethania? John, Paul, George, Ringo, Mick, os irmãos Fogerty. E os negões da Motown, comandados por Four Tops?

E Telê Santana, é lógico.

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Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.


Menon