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Guardiola aprendeu com Didi? Nossos treinadores, com certeza, não.

Menon

12/03/2015 12h15

Em 2000, eu fui trabalhar no Jornal da Tarde. Encontrei uma equipe espetacular e que buscava o sonho de repetir os grandes momentos da antiga Edição de Esportes. Algo que seria conquistado a partir de 2003, com um tabloide de 40 páginas toda segunda-feira. Era referência.

Como o JT era o primo pobre da casa, tínhamos ordem de lutar contra o Estadão, o carro-chefe. Sempre era necessário uma exclusiva. Foi assim em junho de 2000. Fui ao Rio cobrir Brasil 1 x 1 Uruguai pelas eliminatórias. Mesmo antes de ir, consegui marcar uma entrevista com Didi, o genial Didi, que morava na Ilha do Governador.

Fui recebido por Guiomar, a linda mulher de Didi. Me lembro que ela vestia uma roupa étnica, muito colorida. Depois, chegou Didi. Tinha problemas graves na coluna, o que lhe tirava um pouco- só um pouco – da elegância com que desfilava em campo. Mostrou uma camisa do São Paulo, que tinha. Disse que era seu time em São Paulo e que nunca esqueceria como foi bem tratado em sua pequena passagem pelo clube em 1967.

Depois, falou sobre futebol e seus sonhos. E  foi um dos momentos mais ridículos da minha carreira. Didi falou sobre rotação no futebol e que até os goleiros deveriam sair do gol e irem ao ataque. Seriam cobertos por algum outro jogador treinado para fazer defesas no alto, com os pés. Eles seriam treinados em artes marciais.

Fiz cara de incrédulo. E ele, com toda a educação possível, disse.

Estou falando sério, moço.

Fiquei arrasado. O craque da Copa de 58, o rei da Folha Seca, pedia desculpas para um zé mané arrogante.

Tirei essa parte da matéria.

Agora, ao relê-la, é possível ver a genialidade de Didi. Leiam abaixo.

 

 

 

Aos 72 anos, com problemas na coluna – herança de contínuas "folhas secas"
–, Didi não se contenta em ver a vida passar, brincando com os netos.  Além
da promessa diária – nunca cumprida – de fumar menos que os 25 cigarros
diários, ele sonha com uma escola que reúna crianças de todo o mundo em que
possa implantar o seu sonho futebolístico. "É possível montar um time com 11
jogadores muito habilidosos, aptos a fazer qualquer função em campo.  Todos
atacando, todos defendendo, com muita rotação."
O velho craque busca no basquete a inspiração do que imagina ser o futebol
do futuro.  Futuro próximo. "Tenho certeza que a partir de 2005 esse esquema
vai começar a prevalecer.  Vai dominar esse século.  Não dá mais para ter
jogador parado em uma posição.  Tem de ter rotação e cobertura, tudo muito
bem treinado.  Tudo com muita velocidade e qualidade de passe."

Futebol do futuro

Didi não se conforma com o modo estático com que jogam cinco jogadores no
futebol atual: goleiro, os dois zagueiros de área e os dois volantes. "Cinco
jogadores é quase meio time.  O futebol de hoje está assim.  Seis jogadores se
movimentam e cinco ficam parados.  Quanto mais gente você acrescentar aos que
se movem, melhor vai ficar o time.  O zagueiro, quando domina uma bola, tem
de tocar para o volante receber na frente e ir para o ataque.  Sua posição
deve ser coberta pelo lateral, que seria coberto pelo volante.  Hoje em dia,
não dá para jogar com um goleiro que só use as mãos.  Imagine um goleiro que
sai para o ataque, que surpresa não seria para o adversário?" E quem ficaria
no gol? "Com a preparação física de hoje, é possível treinar jogadores para
defender com os pés até bolas altas."
Alta qualidade técnica, muita velocidade, muita troca de posições, poucas
faltas.  Assim, Didi tem certeza que a violência se afastaria dos campos de
futebol. "Acho que está desse jeito hoje em dia porque não tem espetáculo em
campo.  Os treinadores têm medo de ser despedidos e jogam para não perder.
Isso irrita todo mundo, não há quem agüente."
Didi vê a Seleção Brasileira com muitos problemas. "Os jogadores estão
correndo mais do que a bola.  Isso é fatal.  O Vampeta, se tem um colega a 10
metros dele, corre 8 metros com a bola e dá um passe de 2 metros.  Por que
não faz o contrário?  Perde um tempinho, ajeita a bola e mete um passe de 10
metros. É tão fácil."

E, então, se surpreenderam, como eu? Umas reflexões para a leitura

1) Escrevi uma bobagem. Didi não tinha problemas na coluna devido à folha seca. Ele tinha artrose na coluna vertebral e sofria muito com isso. Chegou a fazer uma operação espiritual com o Dr. Fritz.

2) Como diz o meu amigo Luis Auguso Mônaco: "O velhinho enxergava longe… O Guardiola deve ter conversado com ele antes de virar treinador e botar o Neuer pra passar a bola e escalar aquele Barça que colocou o Santos na roda no Japão com o 3-6-1: Piqué, Puyol e Abidal; Daniel Alves, Xavi, Busquets, Iniesta, Fàbregas e Thiago Alcântara; Messi. todo mundo rodando, todo mundo passando a bola no pé, o time criando uma chance atrás da outra e não deixando o Santos chegar perto da sua área….

3) Já se passaram 15 anos. Muito do que Didi pregava ali foi feito por outros treinadores. Nenhum brasileiro. Continuamos correndo atrás de um encaixe, de experimentações empíricas e não de uma ideia futebolística. De uma ideia que respeite e ame o futebol.

4) Como poderia estar nosso futebol hoje, com essas ideias aplicadas e bem treinadas?

5) Ainda dá tempo?

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Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.


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