Sou campeão do mundo em 1951. Oberdan me contou
UOL Esporte
21/12/2015 11h54
EDUARDO CASTRO, senhores. Para deleite de quem gosta do Palmeiras. E de quem gosta de texto bom. E prazer absoluto para quem não vive sem uma provocaçãozinha.
Foi algo que vi muitas vezes, acompanhando o Tio Beto ou o primo Flávio (meu pai é corintiano), donos de cativas no velho Parque Antártica. Pouco antes da bola rolar, um senhorzinho de bigode fino e cabelo rigidamente pintado de preto apontava lá embaixo, na escadaria das chamadas "Sociais". Imediatamente, a turma começava a aplaudir.
Oberdan subia, agradecendo. O aplauso só parava quando ele se sentava na sua cadeira. Imagino, tenha sido assim até a morte dele, Oberdan Catani, em 2014, aos 95 anos.
A reverência fazia todo sentido: ali ia um campeão do mundo, o primeiro goleiro brasileiro campeão do mundo. Eu sempre soube que o Palmeiras foi campeão mundial interclubes. A FIFA reconhecer ou não era detalhe. Com sete anos, acho que não sabia quando foi – 1951 – nem onde – no Maracanã. Mas sempre soube. Quem é palmeirense sabe. Quem viu Oberdan chegando para qualquer jogo no Palestra Itália tinha certeza.
Anos depois, vim saber que Oberdan não jogou as finais do Mundial, contra a Juventus de Milão. Foi barrado pelo técnico, substituído por Fábio Crippa. Mas, como a chancela da FIFA para o título, isso é só detalhe. Eu fiz muito uso deste título durante minha infância e adolescência, nas sempre acaloradas discussões sobre futebol, na escola, no clube. Não era fácil ser palmeirense criança/adolescente naquele tempo, anos 80, época de fila. Não existia o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Não se falava em bulling. E o Palmeiras não ganhava nada.
Era duro torcer para craques como Baroninho, Mococa, Vagner Bacharel, Edu Manga, Careca Bianchesi. Nasci em 1974, e não tinha idade para estar presente no último título antes da fila, o Paulista (sim, eles valiam – e muito) de 1976.
Comecei a ver futebol, pelo menos que me lembre, em 1979, 80. Meu primeiro jogo no Palestra Itália foi num domingo de manhã, Paulistão de 1980 – um sonoro 5 a 0 sobre o Taubaté, levado pelo meu pai corintiano, Luiz, a quem agradeço publicamente o sacrifício pela primeira vez, 36 anos depois. Estava no Morumbi na semifinal de 86, quando Mirandinha fez aquele gol de joelho na semifinal (de novo, de Paulistão) com o Corinthians, levando o jogo para a prorrogração e o Éder fez até gol olímpico. O gol do Palmeiras foi aos 37, 38 do segundo tempo. Lembro nitidamente do Jorginho mudando a bola de lugar, uns centímetros, antes de bater a falta pra área. Por que lembramos dessas coisas, inclusive? Mas lembramos, como se fosse hoje.
Perdemos para a Inter de Limeira, é verdade – e eu não estava lá. Vi pela TV, de Vinhedo, interior, porque, na capital, a TV não podia passar o jogo. Mas aquela semifinal foi a maior emoção que tive num estádio, em toda vida.
Em 1993, não estava no Morumbi quando o Palmeiras saiu da fila. Era Dia dos Namorados, e eu estava com namorada nova. Se eu soubesse que ela seria a mesma até hoje, acho que a teria deixado em casa e ido ver o jogo (mas, obviamente, não conte isso a ela, por favor). E antes que me chamem de machista, explico: nunca pensei em levá-la naquele jogo comigo porque ela é corintiana.
Vi de perto, no campo, o primeiro brasileiro que o Palmeiras ganhou nos anos 90, contra o Vitória. Mas a comemoração foi contida, porque já era jornalista. No ano seguinte, vi o segundo título seguido, contra o Corinthians, pela TV – porque também estava trabalhando, apresentando programa na Rádio Atual.
Copas do Brasil? Quem me informou que o Palmeiras havia ganho do Cruzeiro, em 1998, foi o colega Leandro Quesada, que estava gravando boletins para a Rádio Bandeirantes direto de Paris, onde já estávamos para a Copa do Mundo. Ele tirou o telefone da orelha, e deu o recado seco: "Olha, o teu time ganhou". E passei a comemorar sozinho, na Montparnasse vazia.
A de 2012? Morava em Brasília. A de 2015? Estava em Moçambique, na África, num seminário. Sem transmissão pela TV, ouvi o título pelo aplicativo de uma rádio, sozinho na madrugada. Tudo isso pra dizer que (não só comigo, mas com a imenssíssima maioria dos viventes) a emoção de um título não depende do toque, da visão, da audição ou do olfato – mas, principalmente, do paladar. Óbvio que ver de perto, vivenciar o momento, traz mais sensações. Mas estar lá ou não, ver de perto ou de longe, ouvir instantaneamente ou depois – nada disso é tão importante quanto o gosto que aquilo deixa.
Esse gosto é que fica para sempre. O resto é detalhe. É detalhe se foi há muito tempo. É detalhe se havia ou não chancela da FIFA. É detalhe que o secretário geral da FIFA que organizou o torneio. É detalhe que nem todos os convidados vieram. Como também é detalhe para flamenguistas e sãopaulinos que a FIFA não reconhecia o jogo da chave dos carros lá do Japão até outro dia. E também é detalhe para os corintianos o fato de chamarem de título mundial um torneio de verão sem ter ganho Libertadores, nem ter sido campeoão nacional no ano anterior.
Nós, palmeirenses nascidos depois de 1951, já nascemos com o gosto de campeão mundial nos lábios. Não vimos, não tocamos, não ouvimos no ato. Mas sentimos esse título na boca desde sempre. Prazer que é aumentado a cada conversa com os tios e primos palestrinos – e quem viu garante que Jair da Rosa Pinto é o verdadeiro "Monstro do Maracanã", pois o homem era craque, batia faltas como poucos e foi vice-campeão num ano pela Seleção, e campeão no seguinte, pelo Palmeiras.
Satisfação que ganha ares épicos quando lembramos que, no primeiro jogo da semifinal, contra o Vasco, Aquiles quebrou a perna ao chocar-se com o goleiro Barbosa – e ganhar o torneio virou questão de honra. E que os 150 mil torcedores que lotaram o Maracanã, na segunda partida da final, gritavam "Brasil, Brasil", enquando quem jogava era o Palmeiras. Muitos, aliás, eram palmeirenses vindos de São Paulo, coisa que, a depender da memória seletiva de parte de meus colegas de imprensa – parece que só teria acontecido no Maracanã quando o Corinthians foi jogar contra o Fluminense, numa seminfinal de Brasileirão.
Prazer que cresce a cada visita à sala de troféus ao ver a Taça, a Copa Rio, que gera os mesmos calafrios que ver o quadro da Arrancada Heróica" – primeiro tírulo do Palmeiras depois de deixar de ser Palestra Itália, no dia em que o São Paulo fugiu de campo, episódio que virou até nome de passarela, perto do clube.
Emoção que se renovava a cada vez que Oberdan subia as escadarias do Parque Antárctica à procura de sua cadeira cativa, sob aplausos dos que viram o título mundial de 1951, dos que leram sobre, ou dos que só ouviram falar.
Sobre o Autor
Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.