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Pelé, Osmar Santos e o autógrafo que não pedi

Menon

21/03/2018 11h59

Amigos, já contei essa história em outro blog. Tentei recuperá-la e não consegui. Então, vou escrever de novo. Logicamente haverá uma diferença ou outra porque tudo se passou há 25 anos.

Foi em setembro de 1993, em Belo Horizonte. O Brasil enfrentava a Venezuela pelas eliminatórias do Mundial de 94. Eu estava cobrindo pela A Gazeta Esportiva, juntamente com o jornalista Roberto Benevides, um dos poucos com quem aprendi alguma coisa na profissão. No jornalismo diário, os mais experientes não tem tempo para ensinar algo aos novos. Em todos esses anos de estrada, me lembro do Paulo César Correia que exigia um final de matéria tão bom quanto o início. "Não adianta começar bem e acabar de repente". O Benevides me explicou que não se deve cobrar um treinador da seleção pelos meus princípios e, sim, pelos deles. "É preciso entende o que o treinador pensa para entender a convocação. O que a gente pensa, não tem importância alguma".

Bem, mas lá estava eu lá em Belo Horizonte na véspera de um 4 x 0, dois de Ricardo Gomes, um de Palhinha e um de Evair. Taffarel, Jorginho, Ricardo Rocha, Branco, Mauro Silva, Raí e Zinho estariam na Copa. Ricardo Gomes foi cortado já nos Estados Unidos, por contusão. Palhinha, Valdeir e Luis Henrique ficaram pelo caminho.

Fomos a um restaurante para colocar a resenha em dia. É uma prática muita saudável, um bate-papo entre amigos após ou antes um jogo de futebol. Tudo pago pelo patrão. Na nossa mesa estava o então repórter Carlos Lima, da Rádio Globo. Hoje, ele está em um projeto inovador na internet, o Rádio Futebol Clube, com Fábio Salgueiro, Zé Boquinha e Maurício Rossi. Bem, estávamos lá, curtindo o nosso ócio, esperando o cardápio e o Lima preparando a entrada que faria no Globo Esportivo, do grande Osmar Santos.

Então, toda a normalidade acabou. O Rei chegou. Ele, Pelé. Ele e sua corte, várias pessoas, homens e mulheres, uma mesa com pelo menos dez pessoas. O silêncio tomou conta do ambiente. Meses antes, em junho, eu estava cobrindo a Copa América, no Equador. Estava no hotel da seleção, com alguns amigos argentinos e peruanos. Esperávamos por alguém. E a pauta dos colegas caiu estrondosamente quando Pelé chegou no hotel. Saíram correndo, alucinados, deixando tudo de lado. "Você não vem, Luis? É o Pelé, carajo", me disse Julio Chiappetta, do Clarín. Foi a primeira vez que percebi, em minha santa ignorância, o que é Pelé.

Carlos Lima fixou os olhos em Pelé, ali na mesa, a dez metros. "Como é a vida, né gente? Tenho de ir lá e pedir que me dê entrevista e sei que ele não vai consentir. Nem queria atrapalhar, mas tenho de ir".

E foi.

Pelé, eu sou Carlos Lima, da Rádio Globo, desculpe atrapalhar.

Pode falar, Lima.

Eu sei que é muito o que vou pedir, mas gostaria de fazer uma pequena entrevista com você para o programa que começa daqui a uma hora.

Tudo bem, vamos gravar

Mas, abusando um pouco, será que poderia ser ao vivo

Está bem, vamos fazer, me procura na hora.

Tem mais uma coisa

Diga

O telefone está ali na outra mesa. Você precisa se levantar e ir até lá comigo. (Não havia celular ou então não estava funcionando)

Está bom, vamos andar um pouco.

E o Lima voltou para a nossa mesa. Não acreditava no que tinha ouvido de Pelé. Mas tinha mais.

Quando chegou a hora da entrevista, enquanto Pelé se dirigia ao telefone, perguntou: "qual é o seu nome, mesmo". "Carlos Lima".

Feita a ligação, Osmar atendeu em São Paulo.

Osmar, aqui em Belo Horizonte, o Brasil joga amanhã…

Eu sei, Lima, eu vou narrar (Eu havia deixado a minha mesa estava ao lado dos dois, ouvindo tudo)

Então, e eu tenho um convidado especial para você aqui. Ele vai falar.

E Pelé pegou o telefone.

Osmar, aqui é o Pelé (como se precisasse dizer). Estava jantando e vim falar com você. Só faço isso porque é um pedido do Carlos Lima, meu amigo.

O sorriso de Lima foi de total agradecimento. Pelé fez tudo aquilo e ainda o chamou de amigo.

Terminada a entrevista, também fiz alguma pergunta a Pelé. Atendeu com toda a paciência antes de voltar a prato, provavelmente frio.

Durante muito tempo, eu achei um absurdo jornalista pedir autógrafo ou foto com o entrevistado. Estou aqui para trabalhar e não para tietar, pensava. Me arrependo, quase nada tenho de lembranças. Uma foto com Ghiggia, o carrasco do Maracanã, tirada em 2009, talvez nada mais. Nada de Paula, Hortência, Oscar, Rivellino, Romário, Ronaldo…

Na semana passada, houve o lançamento de uma série de documentários feitos pelo Esporte Interativo, que irão ao ar em maio. O nome é 10×10 e contará a vida de dez camisas dez do futebol brasileiro. Pelé estaria. E lá fui eu, em busca do meu autógrafo perdido. Eu fui e Pelé não foi.

Fica para a próxima, se houver.

Na saída, lá estava Osmar Santos. E foi com ele, lembrando de um rádio que não existe mais, lembrando de um Rei solidário, lembrando do gênio da narração que eu, pobre mortal, fã de todos eles, me inclinei e pedi a foto que está ai em cima.

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Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.


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