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Tite pode morrer abraçado à sua coerência

Menon

16/05/2018 15h07

Eu acho estranho quando dizem que todo garoto que chega ao Barcelona, seja com dez anos ou dez dias de vida, começa a treinar sob um determinado estilo de jogo. Um único estilo. Todos os sub qualquer coisa estão lá, privilegiando a posse de bola, trocando passes em busca do momento do gol (como uma aranha tecendo a teia que imobilizará pernas ou asas de seu almoço). Sempre impondo o jogo, nunca apostando em contra-ataque.

E se um dia, for preciso mudar? E, se diante de uma dificuldade enorme, for necessário transformar uma falta a favor em uma bola jogada na área para uma cabeçada (ou uma mordida, vai saber) de Luisito Suárez?

Um time deve ser fiel a um estilo de jogo, a um único estilo de jogo, a cada minuto, a cada campeonato. Sem surpresas? Bem, até no Barça, as coisas mudaram. Ernesto Valverde trouxe Paulinho e, com ele, além da desconfiança dos torcedores, também uma transição mais rápida e mais agressiva. Contra a Roma, pela Liga dos Campeões, Valverde nos apresentou, este sim, um Barcelona que renegou toda a sua história. Um time que não entrou em campo para jogar. Entrou para não jogar. Para defender um 4 x 1. E que foi humilhado com a desclassificação.

Valverde foi incoerente duas vezes. Com Paulinho, acertou. Com a covardia, errou.

O ponto, para mim, é que, em nenhum dicionário do mundo, coerência significa algema. Coerência não pode significar falta de improvisação, falta de surpresa.

Esse é o ponto ruim da convocação de Tite. 100% coerente com um trabalho muito bem feito. Sem dúvidas, mas e se for necessário ago novo? Se for necessária ousadia? Se for necessário apresentar algo surpreendente? Chama o Taison. Não vai mudar nada.

Tite é meu Pastor e nunca me faltará. Assim, caminhamos. Com uma confiança cega no que Tite prega. Algo que se resume na frase feita: nenhum de nós é maior do que todos nós juntos. Ou, então: se o coletivo é forte, as individualidades aparecem. Um preceito tão férreo que permite a não convocação de um jogador porque ele não se adaptou aos mandamentos titíferos.

Luan é o melhor jogador em atividade no Brasil há dois anos. Ou, perto disso. Ganhou títulos e foi importante na Libertadores. Ele foi chamado e descartado por não se adaptar ao que Tite pediu. Não poderia ser diferente? Tite não poderia se adaptar a ele, para que, em algum momento de falta de opções, ele entrasse e surpreendesse.

Não gosta de Luan? E que tal Vincíus Jr. ou David Neres? São jovens, dribladores, encaradores e pouco conhecidos. Neres está na Holanda e dizem, a caminho da Alemanha. Então fator surpresa é menor do que quando se fala em Vinícius Jr. Jogo fechado, sem espaços e é preciso um drible, um só, um solitário drible para decifrar o código da fechadura. Não vale a pena ter um jogador assim?

Para provar sua coerência, Tite usa argumentos para uns e não para outros. Justifica, entre outras coisas, Taison por ter mais de 80 jogos entre Liga dos Campeões e Liga Europa. Muito bem. E quantos tem o Fagner? Rafinha tem muito mais. Nada contra Fagner, mas a justificativa é outra: homem de confiança. Tite confia nele. Pronto, não se discute mais. Eu acho perfeito um treinador convocar quem ele quer, independentemente de onde está jogando. Foi assim com Paulinho, grande acerto.

Para mim, a grande falha da seleção é não ter Artur. Passada a Copa, alguns meses depois, haverá uma nova convocação. E ele estará lá. E mais duas ou três, terá sua chance como titular. E titular será em 2022, 2026 e 2030. É um jogador único, um jogador para mais de uma década e…por que não vai agora? Qual capítulo da coerência justifica que o melhor não jogue.

Uma coerência que supervaloriza o treinador. Jogador bom é o que se adapta ao que o treinador quer. Um exagero.

Lembremos sempre que Dunga foi extremamente coerente ao levar Júlio Baptista (que havia ido bem na Copa América) e deixado Neymar. E, contra a Holanda, perdendo o jogo, fez apenas duas substituições. Uma coerência que ajudou na derrota.

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Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.


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