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Lisca é doido, mas não é bobo

Menon

01/10/2018 13h35

No dia 26 de agosto, após a derrota por 1 x 0 para o São Paulo, eu fui ao vestiário do Ceará participar da entrevista. Lisca estava doido da vida. Cuspia fogo contra a arbitragem e contra Nenê. Parecia, nitidamente, estar mandando um aviso para a torcida do Vozão, que enfrentaria, alguns dias depois o Bahia, em casa. Precisamos de vocês, gritava o treinador.

Eu perguntei a ele se o apelido havia atrapalhado sua carreira. Ele parou, pensou e disse que não sabia. "Não sei te dizer. Estou dirigindo na série A, o que apenas 20 treinadores conseguem. Já tenho 46 anos e não sei até onde vai minha vida no futebol. Então, eu tenho de trabalhar com tesão, com alegria. Eu me entrego mesmo ao clube e à torcida".

A relação de Lisca com a torcida do Ceará é de amor intenso. Começou em 2015, quando ele salvou o time da queda para a Série C. Na hora de comemorar, arrancou a cabeça do mascote de Vozão e transformou-se no próprio símbolo do clube, regendo a torcia do clube, que cantava a todos pulmões a sua música: "Saiu do hospício/tem de respeitar/Lisca Doido/é do Ceará…

A cena voltou a se repetir no domingo, 30 de setembro, após a vitória por 3 x 1 sobre a Chapecoense. O Ceará, enfim, saía da zona do rebaixamento da Série A. Trabalho todo de Lisca. Ele assumiu na décima rodada, quando o time tinha três pontos no Brasileiro. Três empates e seis derrotas. E assumiu em um momento de baixa estima. Jorginho, após três jogos e três derrotas, havia pedido demissão por "problemas particulares". Dias depois, estava no Vasco.

Com Lisca, o Ceará conseguiu 27 pontos em 18 rodadas. Média de 50%. Para escapar, ele diz que o time precisa de mais quatro vitórias e dois empates, chegando aos 44 pontos. Em casa, ele enfrentará Botafogo, Galo, Inter, Paraná e Vasco. E tem ainda dois confrontos diretos contra Sport e Bahia, fora de casa. Esse é o núcleo duro de Lisca. Diante de uma situação assim, não há como duvidar da estratégia de Lisca em contar sempre com a torcida do Ceará. Em fazer de tudo para que ela esteja junto com o time.

Nem sempre dá certo. Após aquela derrota para o São Paulo, em um jogo duro, o Ceará perdeu em casa para o Bahia. O encanto parecia quebrado, mas dias depois, o Ceará venceu o Flamengo, no Rio, com um chute de fora da área, aos 46 do segundo tempo.

A verdade é que Lisca não é só torcida. Ele entende de bola. Quando joga em casa, pressiona o rival, joga com pontas abertos. Virou contra a Chape em três minutos. Quando joga fora, é mais conservador e aposta em contra-ataque.

Ele é bom treinador. Se fosse argentino e se chamasse Loco Lisca, seria mais respeitado. Sua empatia com a torcida seria considerado algo genial. Dificilmente será treinador em um grande time. A alegria, o tesão de trabalhar, a vontade de estar junto com o povão valem menos do que as pranchetas cibernéticas de treinadores que vão de um lado para outro sem apresentar nada de novo, mas sempre com o respeito que conseguem através de um novo linguajar. Olho em Lisca. Olho em Zé Ricardo, Dorival, Jairzinho, Barbieri, Roger Machado e Valentim. E Eduardo Batista, que já treinou Palmeiras e Fluminense. São melhores que Lisca?

Certamente terão sua carreira mais planificada, com mais chances em times grandes. A irreverência paga seu preço. Mas que eu torço para o Lisca, torço mesmo. O futebol é paixão e ele é um representante (talvez o único) dessa verdade. Um doido do bem.

 

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Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.


Menon