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Religiosidade extrema atrapalha o futebol brasileiro

Menon

06/12/2018 04h18

Gol. Não há soco no ar. Não há um grito de desabafo. Alguns correm para a câmera, um ou outro tira a camisa, mas quase todos se unem, ajoelham, formam uma rodinha e erguem o dedo para o céu. Longe dali, o goleiro se ajoelha e reza. No dia seguinte, no Instagram, há louvação a Deus. Não, não se trata de um campeonato entre seminários. É apenas um jogo, qualquer jogo, de qualquer time das categorias de base.

Não é só ali. Mas começa ali. O exemplo está no time titular. Fábio, ótimo goleiro do Cruzeiro, jura que não estuda o modo como os adversários cobram pênalti. Nada disso. Deus é quem decide para que lado ele deve pular. Vanderlei, do Santos, começa toda entrevista com um "Glória a Deus". E artilheiros se recusam a citar toda sua expertise em fazer gols, como algo que foi trabalhado durante a vida ou pelo menos durante a semana. Não, foi a Deus que resolveu louvar naquele jogo.

Há três casos de treinadores, que eu me lembre. Doriva, campeão paulista pelo Ituano, foi entrevistado à beira do campo pelo repórter Abel Neto. E, em vez de falar da tática ou da técnica dos jogadores, recitou um salmo.

Há alguns anos, o Galo ganhou um jogo do Independiente, da Argentina. O Rojo tem um diabinho na camisa. E o treinador Procópio Cardoso disse que, como cristão, não perderia um jogo para o time que venera o Diabo. Jorginho, quando dirigiu o América, fez de tudo para tirar o diabinho do uniforme. E Taffarel chegou a dizer que o Brasil ganhou a Copa de 94, porque Deus estava ao seu lado quando o budista Roberto Baggio errou a última cobrança.

Não tenho nenhuma religião. Respeito todas. E o direito de a pessoa cultuar quem quiser: Deus, Javé, Jeová, Buda, Xangô… Mas, sinceramente, acredito que a religiosidade extrema atrapalha o futebol brasileiro. Atrapalha no topo e na base. A seleção no tempo de Lúcio e de Kaká sempre me deu a impressão de estar a serviço mais de uma crença do que do futebol brasileiro. Levir Culpi chegou a proibir a entrada de pastores na concentração do Galo. Difícil é entender o que eles estavam fazendo por lá.

E a base? É notório que jogador brasileiro tem uma capacidade técnica impressionante. Mas tem dificuldade de leitura de jogo, comparado com os argentinos, por exemplo. É algo que poderia ser aperfeiçoado desde os primeiros anos de contato com a bola. Não vejo isso acontecer. Garotos de sub-13 ou sub-11 devem ser adeptos da reza a plenos pulmões antes da entrada em campo. Na mais tenra idade.

A base deveria ser usada para a formação de cidadãos. Viram como D'Alessandro e o treinador Tata Martino se posicionaram a respeito da vergonhosa situação na Argentina, obrigada a ver a final da Libertadores na Espanha? Conscientes, bem articulados, lamentando o que se passou por lá.

Já viram um jogador brasileiro se posicionar sobre racismo no futebol? O que me lembro é de Daniel Alves comendo uma banana que lhe foi atirada. Mas já vi jogador negro tentando sair de campo por causa de racismo e jogador brasileiro, também negro, tentando dissuadi-lo.

Seria muito bom que a base ensinasse sobre o mundo que está lá fora aos jogadores. Que fossem preparados para a vida. Futebol, eles já sabem, tecnicamente falando. E rezar, pai e mãe ensinam.

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Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.


Menon