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Menon

O mundo é dos espertos e o Brasil é dos muito espertos

Menon

22/11/2017 12h29

Acervo da bola

Gérson de Oliveira Nunes sempre foi um ídolo para mim. Um dos primeiros. Seus lançamentos longos, vindos do meio campo ou até um pouco atrás, eram o maior exemplo do modo como eu entendia o futebol. Quem corre é a bola, não o jogador. Um tipo de jogada com quem sempre me identifiquei, em várias épocas da minha vida. Como garoto ruim de bola. E gordo, ainda por cima. Como engenheiro. Ou um lançamento daqueles não é uma ponte? A menor distância entre dois pontos é uma reta? Ou é uma curvita de Gérson? Ou é um drible de Garrincha? Ou é um rabisco qualquer de Niemeyer. O lançamento de Gérson também me toca como jornalista. É uma mensagem, linda mensagem, chegando ao destinatário.

Gostava de Gérson também por ser um falador, alguém que se impunha. Muito diferente de Ademir da Guia e sua divina mudez.

Em 1976, me decepcionei com Gérson. Afinal, se ele era o canhotinha de ouro, eu já era esquerdinha há pelo menos oito anos. Desde o mais lindo de todos os maios. Ele fez uma propaganda para os cigarros Vila Rica em que dizia que o importante é levar vantagem em tudo. Em plena ditadura, ele nos lembrava aquele lado tão ruim de nossa brasilidade. Talvez o mundo inteiro seja assim, não sei. Mas nós somos e isso dói. A esquerda, comandada pelo Pasquim, caiu matando e a Lei de Gérson se tornou um case. Embarquei, é lógico. Fiquei mal e de mal com o ídolo.

Demorei para perceber que Gérson havia sido apenas o carteiro. O pianista. O autor da obra era a agência Caio Dominges e Associados. É de algum redator a obra prima: "Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu quero de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!".

Já se foram 40 anos e eu daria tudo ou quase tudo para ver Gérson de Oliveira Nunes em campo novamente. Não dá. A Lei da Vida é muito mais cruel que a Lei de Gérson.

E chegamos a Renato e o caso do drone. Como ele disse, sempre houve espionagem. O amigo Maurício Noriega nos lembrou hoje do grande Valdir Joaquim de Moraes espionando adversários do São Paulo lá nos anos 90. Eu lembrei do Cleber Xavier, drone humano de Tite . Fico em dúvida sobre o caso do drone, porque é uma invasão, digamos assim, do "espaço aéreo" do Lanus. É como se violassem minha caixa de emails, como lembrou o Antero Greco.

Enfim, isso vai passar e os méritos do Grêmio não devem ser mitigados por conta do amigo drone.

O que pega é a frase.

A maldita frase.

O mundo é dos espertos.

E eu me lembro de Gérson de Oliveira Nunes. (Ah, como seria lindo um passe dele para Renato Gaúcho).

Na ditadura militar, ele disse que gostamos de levar vantagem em tudo;

Na ditadura judiciária, que permitiu a um homem sem brilho, sem respeito ao próprio, sem currículo e sem moral, governar um País tão lindo e com tanto potencial como o nosso, ele diz que o mundo é dos espertos.

Se fosse uma crítica, seria mordaz e ácida.

Se fosse apenas uma constatação, doeria porque tem muito de verdade.

Sendo um elogio, como é, dilacera porque dá aval aos canalhas. Porque incentiva crianças.

Renato nem tem a desculpa da agência de publicidade.

Ele falou o que pensa, falou o que muitos pensam, falou aquilo que subjuga nosso País.

Somos governados por pessoas que colocaram em prática a tese de que o mundo é dos espertos. E dos ricos. Aos outros, cabe a conta da Previdência.

Mas eu não vou cair no mesmo erro de 1976. Não tenho mais 23 anos.

Renato é apenas mais um que acredita que o mundo é dos espertos.

Os verdadeiros espertos, que não merecem condescendência e nem perdão são outros e estão longe de um campo de futebol. Não sabem nada. Nunca ouviram falar de Gérson ou de Renato. Não são craques, são apenas ladrões de bola.

E, se o Grêmio vencer (estou torcendo) farão de tudo para aproveitar a festa e tentar sair do pântano dos 3% de aprovação.

 

Sobre o Autor

Meu nome é Luis Augusto Símon e ganhei o apelido de Menon, ainda no antigo ginásio, em Aguaí. Sou engenheiro que nunca buscou o diploma e jornalista tardio. Também sou a prova viva que futebol não se aprende na escola, pois joguei diariamente, dos cinco aos 15 anos e nunca fui o penúltimo a ser escolhido no par ou ímpar.Aqui, no UOL, vou dar seguimento a uma carreira que se iniciou em 1988. com passagens pelo Trivela, Agora, Jornal da Tarde entre outros.